Recordar é viver - À procura de uma saída honrosa
(Comentário publicado no Blog do Ricardo Noblat em 21/03/2006 a propósito da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo da Costa).
Bem que o governo se empenhou em sustentar Palocci no Ministério da Fazenda. Primeiro, tentou convencer jornalistas e donos de veículos de comunicação de que o ministro se valera da alegre mansão alugada em Brasília pela turma da "República de Ribeirão" apenas para escapadelas de caráter íntimo.
Quem não prevaricou que atire a primeira pedra - diziam na semana passada porta-vozes informais do governo.
Não se lhes importava que Palocci tivesse mentido diante da CPI dos Bingos ao negar que pusera os pés na mansão. Mentiu "para defender a família", argumentaram, solenes, cabeças coroadas do governo e do PT. Palocci nada tivera a ver com negócios escusos fechados na mansão. Nem sequer ouvira falar deles.
Se algum pecado cometera havia sido de outra natureza - afinal, a carne é fraca. E de fato é...
Parte da mídia estava sensível ao discurso oficial. E mais sensível se tornou quando a partir das 18h45 da última sexta-feira teve acesso ao conteúdo de reportagem a ser publicada pela revista ÉPOCA. No blog da revista, dava-se conta de que o caseiro Francenildo tinha mais dinheiro em banco do que seria razoável.
De janeiro até meados deste mês, algo como R$ 30 mil pingaram na conta poupança de Francenildo na agência do Lago Sul da Caixa Econômica Federal. Suspeito, não? Suspeitíssimo...É fato que o caseiro contara à revista que era filho bastardo e que recebera a grana do seu pai, um empresário do Piauí.
Também é fato que o empresário confirmara à revista a remessa do dinheiro - embora negasse ser pai do caseiro. Mas quem estava interessado nas explicações do caseiro que deixara o poderoso ministro da Fazenda pela bola sete? De resto, e se o empresário não passasse de pau mandado da oposição?
O governo celebrava a descoberta do dinheiro desde o final da tarde, segundo registrou às 18:51 daquele dia no "Blog do Moreno" o jornalista Jorge Bastos Moreno. Teve colega que no dia seguinte considerou o jogo empatado: o caseiro ferira a credibilidade de Palocci, mas a dele também saíra ferida.
A fragilidade da reportagem da ÉPOCA parecia destinada a ser engolida de cara bonita e com entusiasmo se este blog e o caseiro não tivessem na mesma noite da sexta-feira chamado a atenção para um detalhe crucial: a revista revelara toda sua movimentação financeira. Como fazê-lo sem a quebra do seu sigilo bancário?
Quem autorizara a quebra do sigilo bancário do caseiro? A Justiça não foi.
Como as informações sobre a conta do caseiro chegaram a agentes da Polícia Federal que as repassaram a jornalistas? E com ordens de quem repassaram? E com qual propósito?
O propósito era evidente: levantar suspeitas sobre o comportamento do caseiro. De brasileiro humilde que se dispusera a revelar de público o que testemunhara na alegre mansão freqüentada por Palocci, ele passaria à condição de suspeito de ter sido subornado para mentir.
A farsa não resistiu a três horas de exame. Ruiu antes da meia-noite da própria sexta-feira. E transferiu para o colo do governo a suspeita de que ele tramara a desmoralização do caseiro para tentar salvar o ministro da Fazenda. A suspeita se mantém. Somente o governo poderia ter acesso à conta de Francenildo.
A Caixa Econômica Federal é subordinada ao Ministério da Fazenda. Palocci manda no ministério e na Caixa. A ordem para quebrar o sigilo do caseiro pode não ter sido dada por Palocci, assim como a ordem de assassinar o jornalista Carlos Lacerda em 1954 não partiu do presidente Getúlio Vargas.
Mas o atentado contra Lacerda acabou levando Getúlio a se matar com um tiro no coração...
Sosseguem... A comparação é exagerada. Nada a temer.
Lula é um sobrevivente desde que há 50 anos fugiu da miséria do Nordeste em um pau de arara. Se precisar, entrega a cabeça de qualquer aliado que ameace seu futuro, como fez no caso do ex-ministro José Dirceu. Assim será com Palocci. Em breve. Procura-se, apenas, uma saída menos desonrosa para ele.
Quem sabe Palocci não poderia renunciar ao cargo nos próximos dias para ser candidato a deputado federal pelo PT de São Paulo? Ele precisa de algum tipo de imunidade para não se arriscar a ser preso, tantas foram as maracutaias ocorridas na época em que administrou Ribeirão Preto.
O diabo é que ficaria sem imunidade entre a renúncia e uma eventual eleição. E para qualquer delegado, a tentação de prender Palocci seria irresistível...