- Do O Globo - Quatro dias após o acidente que matou cinco e feriu 57 pessoas, autoridades há anos responsáveis pelo transporte do Rio de Janeiro chegaram à conclusão de que o sistema de bondes de Santa Teresa está no fim da linha
O governador Sérgio Cabral, que até então não tinha falado publicamente sobre a tragédia, admitiu que os bondinhos estão sucateados e que houve má gestão. Perguntado então, por três vezes, se demitiria o secretário estadual de Transportes, Júlio Lopes, responsável pelos bondes, Cabral se calou.
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Foto: Agência Estado.
O secretário, por sua vez, alegou que não houve investimentos suficientes nos últimos anos:
- Tínhamos muitas prioridades no governo e não se fizeram os investimentos no bonde nos montantes que eram necessários. Nós investimos recursos significativos, mas não no montante que se poderá investir agora em função dessa trágica ocorrência. Os investimentos que foram feitos precisam ser muito ampliados.
Cabral, no entanto, garante que não houve falta de recursos. Segundo o governador, foram aplicados R$ 14 milhões na recuperação de bondes e trilhos. O governador admitiu ainda que não há controle da entrada de passageiros:
- A verdade é que a frota dos bondinhos é sucateada. Parece-me que era um problema de gerência - disse o governador.
O bondinho anda normalmente lotado como na foto acima e sempre com pessoas penduradas no estribo. Foto: O Dia.
Cabral afirmou ainda que é preciso aguardar o resultado da perícia para avaliar as razões do acidente:
- A perícia é muito importante. Não vou me precipitar sobre a questão da manutenção, já ouvi várias opiniões sobre isso. No mais, só nos resta prestar nossa solidariedade aos parentes das vítimas. O estado se coloca à disposição dos familiares.
De acordo com o governador, para voltarem a circular, os bondes terão que retornar em outras bases. Para Cabral, os bondes de Santa Teresa não são um transporte de massa. Ele disse que, recentemente, o sistema transportou apenas três mil passageiros por dia, o que, segundo ele, não representa nem 10% dos deslocamentos feitos pelos moradores do bairro:
- Estou colocando o Rogério Onofre (presidente do Detro) para me dar um diagnóstico verdadeiro, para relatar de fato quais são as condições (do sistema de transporte), para que nós possamos juntos, a sociedade e autoridades, decidirmos o que queremos para os bondes de Santa Teresa.
Em seu primeiro dia como interventor, Onofre percebeu que o bonde de Santa Teresa é uma "esculhambação", como disse nesta quarta-feira em entrevista à Rádio CBN. Ele chamou de "heróis" os trabalhadores da oficina que fazem a manutenção das composições e cogitou a possibilidade de privatização ou municipalização do sistema.
Ele participou da primeira reunião de trabalho com Júlio Lopes, na Secretaria estadual de Transportes. Onofre também visitou a garagem dos bondinhos em Santa Teresa, de onde saiu dizendo que o lugar precisava de uma transformação e que a impressão que teve foi de abandono.
- (Vi) Abandono e condições aquém do mínimo necessário. Eles são verdadeiros heróis por trabalharem aqui - afirmou Onofre ao deixar a oficina dos bondes. - É tanta coisa que precisa fazer que a gente fica... Como se chegou a isso? - questionou, afirmando, por exemplo, que no almoxarifado se trabalha com o menor número de peças possível.
Onofre não criticou diretamente a gestão da Secretaria de Transportes, mas disse que, se foi convocado, era porque algo não corria bem.
- Acabou a época do blá-blá-blá. Nós temos que fazer acontecer.
Diante do que viu, Onofre disse que não há data para o término da intervenção nem para a volta da circulação dos bondes, o que ele afirma que só ocorrerá quando houver segurança para os passageiros. Ele esclareceu que uma força-tarefa com 15 servidores do Detro fará um levantamento sobre o estado dos bondes, desde as questões legais até as pendências com o Tribunal de Contas do Estado (TCE). Depois, serão apontadas soluções ao governador Sérgio Cabral.
Ele adiantou, porém, que podem ser usados recursos do próprio Detro para reformulação do sistema. E que já vinham sendo estudadas alternativas como a privatização ou municipalização do transporte.
- Pessoalmente, sou favorável a que a iniciativa privada opere os bondes - afirmou Onofre, sugerindo que empresários como Eike Batista adotem o bonde.
Para viabilizar o sistema economicamente, ele defendeu ainda a melhor exploração do potencial turístico do bondinho. Segundo Onofre, com R$ 800 mil, por exemplo, é possível interligar os bondes de Santa Teresa ao trem do Corcovado, pela linha do Silvestre, desativada desde 2004. Ontem, ele percorreu o trecho, onde já há a linha férrea, mas a rede área de eletricidade está incompleta.
- Seria um passeio incrível. Sair do Centro da cidade, passar por Santa Teresa e embarcar num trenzinho para o Corcovado - afirmou ele.
Quanto ao preço da passagem, hoje a R$ 0,60, Onofre disse que, mesmo se o bondinho for privatizado ou usado turisticamente, vai ser observado o menor preço, para que a população continue usando o meio de transporte.
A presidente da Associação de Moradores de Santa Teresa (Amast), Elzbieta Mitkiewicz, teme que uma possível privatização aumente a tarifa. Ela disse também que teme que o serviço perca as características que, segundo ela, fazem dele parte da identidade do bairro.
- O bonde é a alma dos moradores do bairro, é o que une todos aqui. Por isso, queremos que o serviço seja mantido com carros mais seguros, horários regulares e preços acessíveis. A gente teme a privatização por causa do preço.
ENTENDA O CASO
O bondinho de Santa Teresa, um dos cartões postais do Rio de Janeiro, descarrilou na tarde de sábado (27/8), matando cinco pessoas morreram e ferindo cerca de 30, de acordo com o Corpo de Bombeiros.
Uma dos mortos é o condutor do bonde, Nelson Correa da Silva, 57. Ele ficou preso às ferragens e morreu a caminho do hospital. Os feridos foram encaminhados aos hospitais Souza Aguiar e Miguel Couto.
O bonde fazia a linha Paula Matos-Centro e descarrilou. Ele continuou andando mesmo descarrilado pro cerca de 50 metros, até se chocar com um poste, na esquina da rua Joaquim Murtinho, no Largo do Curvelo, região central do Rio. O bonde ficou totalmente destruído.
A perícia chegou ao local por volta das 18h. De acordo com a Secretaria municipal de Saúde, há feridos com necessidade de cirurgia, mas não há informações sobre a quantidade de casos. As causas do acidente ainda estão sendo apuradas. Testemunhas afirmaram que o bonde perdeu o freio. O comandante do Corpo dos Bombeiros, coronel Sérgio Simões, afirmou que apenas a perícia pode comprovar o que de fato causou o acidente.