- Da Folha.com -
O escritor e cartunista Ziraldo, na 'Roda da Folhinha' dá um depoimento maravilhoso. Leia!
"O melhor lugar para ler é o banheiro". "Gramática só serve para especialista. Até hoje não sei o que é objeto direto e indireto".
Na tarde de anteontem, no MAM, fez todo mundo rir na
"Roda da Folhinha", promovida pela Folha em homenagem ao escritor e cartunista, que faz 80 anos em outubro.
Ziraldo não precisou pôr uma panela na cabeça, como seu famoso personagem Menino Maluquinho, para divertir as crianças.
Foto:Adriano Vizoni/Folhapress.
O auditório do museu, no parque Ibirapuera, em São Paulo, estava lotado, a metade dele, por crianças. O evento começou com perguntas dos jornalistas (Laura Mattos, editora da "Folhinha", Morris Kachani, repórter especial da Folha, Diego Assis, editor do UOL Entretimento, e Mônica Rodrigues da Costa, jornalista especializada em crianças). A "Roda da Folhinha", contudo, priorizou a participação das crianças, o que deixou a conversa ainda mais descontraída. "É bom ser animador de auditório?", disse o autor de "O Menino Maluquinho", "Flicts" e outros sucessos infantojuvenis.
Ziraldo contou causos da sua infância, da criação de seus livros, e ia divagando ("Estou lendo "Ilíada" agora. Aos 80, fui descobrir que Eneida não é uma mulher"). Às vezes, perdia o fio da meada: "Estou completamente esclerosado!", dizia, provocando mais risadas.
Ao fim do encontro, entregou a cada um dos 20 sorteados livros de sua autoria. A plateia fez fila para pedir autógrafo e tirar fotos. E ele, por mais de uma hora, recebeu a todos, simpático. "Sempre saio renovado desses encontros".
Leia trechos abaixo:LER NO BANHEIROO melhor lugar para ler é o vaso sanitário, tenho uma estante de livros na minha frente. Leio muito no banheiro. Não tem prazer maior do que ler. Quer dizer, tem... [risos]. Mas um dos maiores prazeres do mundo é ler.
LER X ESTUDAREstudar é importante para poder escolher o seu destino, mas ler é muito mais. Já escrevi 150 livros, dizem que escrevo direitinho. E nunca estudei, só li. Na hora da prova, enganava o professor porque era muito sabido. Sabia conversar sobre tudo, porque lia tudo.
Quem vai abrir sua cabeça para sacar suas escolhas é o livro. Se pudesse ler todos os livros do mundo, você seria Deus porque entenderia tudo.
IDIOTAS NA INTERNETTudo de que você precisa está dentro de um livro.
Seu filho não pode chegar à internet sem passar pelo livro.
Se não for capaz de escrever o que pensa e de entender o que lê, vai pra internet pra virar um idiota.
A internet está cheia de idiotas. Ela conseguiu dar palco pro canalha, pro invejoso.
A humanidade, vocês, adultos, sabem, não presta.
E você multiplica a potencialidade dessa maldade na internet...
NÃO SEI GRAMÁTICASe tiver alguma professora aqui ensinando gramática pra menino de dez, 11 anos, pode parar com isso! [risos]
Se você conseguir me provar que um menino de dez anos pode conceituar um objeto que não pode pegar, aí deixo ensinar gramática pra ele.
Mas objeto direto e objeto indireto... até hoje não sei. E olha que treino muito.
Toda informação gramatical que me deram não me fez a menor falta ao longo da vida. Gramática só serve para os especialistas.
Aprenda a ler e a escrever, o resto vem por acréscimo.
MORTE E ETERNAMeu pai era um senhor original. Deu dois nomes para minha mãe escolher para mim. Graças a Deus, ela escolheu Ziraldo, Zi de Zizinha e raldo de Geraldo. A outra opção era Gezi! Mamãe me salvou.
Depois, nasceu meu irmão. Tadinho, Ziralzi.
Mas, no interior, você pode ter qualquer nome, não tiram sarro. Conheci gêmeas que se chamavam Morte e Eterna!
LIVRO PREFERIDOLivro é igual a filho, a gente "gosta igual".
Mas temos preferência por filho que agrada mais à gente, que dá mais atenção.
Qual o livro que me deu mais alegria? Foi "O Menino Maluquinho".
As coisas que aconteceram com "Flicts", meu primeiro livro crianças, também me comovem muito. Os dois mudaram a minha vida.
FAMAQuando era menino, rezava antes de dormir: "Meu Deus, dê muita saúde ao meu pai e à minha mãe, aos meus irmãos, e fazei com que eu seja um grande homem".
Não sei de onde tirei esse pedido, mas ele me atendeu. Sou um grande homem, tenho 1,78 m de altura [risos].
Mas, depois que fiz o "Flicts", falei: "Esse vai ficar famoso, nossa senhora, muito bom esse livro" [risos].
MALUQUINHO TEENEu jamais faria o Menino Maluquinho adolescente, personagem não envelhece.
O Maurício teve coragem de fazer isso com a Mônica, mas eu não vou fazer nunca.
Você não narra a história do personagem, mas as possibilidades do temperamento que ele tem e dos amigos dele. Senão, ele teria que viver mais de cem anos para dar conta de tantas aventuras.
"O menino cresceu e virou um cara legal" é tudo o que eu posso falar do Maluquinho. Eu tenho que manter esse personagem vivo. O Menino Maluquinho é uma instituição.
VOVÓ DELÍCIADescobri, na época em que criei o livro "Vovó Delícia": quando você passa dos 60, 70 anos, aumenta de maneira absurda o número de mulher bonita no mundo.
ENGANAR A MORTEAgora, perto dos 80, pensei: acho que não vou escrever mais livro. Ou vou. Porque essa é a década da morte.
Descobri que, de todos os brasileiros que fazem 80, só 10% chegam aos 90. Todos os meus amigos mais velhos do que eu já foram, o último foi o Millôr. Então fiz a série dos meninos intergalácticos. Criei um personagem para cada planeta.
Como vou lançar um por ano, só posso morrer daqui a dez anos. Foi o jeito de enganar a morte que inventei.
Assista ao vídeo com toda a entrevista do Ziraldo para a Folha no endereço: