- Do Correio Braziliense - A morte do secretário de Recursos Humanos, Duvanier Paiva Ferreira, na madrugada de quinta-feira, após peregrinar por três hospitais de Brasília, foi mais um desfecho trágico que demonstrou a precariedade dos sistemas de saúde no Brasil. As agruras que atingem milhares de pessoas diariamente não são menores nem para aqueles que podem pagar por um plano privado. Não à toa, os processos judiciais envolvendo causas relacionadas à saúde se acumulam nos tribunais.
Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta mais de 242 mil ações tramitando em todas as instâncias. As reclamações, referentes ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao setor privado, vão de negativas de atendimento e pedidos de ressarcimento por valores gastos com remédios e tratamentos à cobrança indevida de valores pelas operadoras e centros médicos.O volume de contestações motivou o CNJ a criar, em 2010, o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, força-tarefa direcionada ao monitoramento específico da área e à elaboração de normas para reduzir novos conflitos judiciais.
Atualmente coordenado pelo conselheiro do CNJ Ney José de Freitas, o fórum passou a acompanhar também os processos relacionados ao sistema privado desde julho de 2011. De acordo com relatos ao Correio, as demonstrações de descaso com os pacientes que chegam aos hospitais privados são comuns.
A aposentada Mércia Dantas garante que, há 26 anos, quase perdeu um filho adolescente por falta de atendimento no hospital Santa Lúcia. O garoto foi levado ao estabelecimento com febre alta, depois diagnosticada como pneumonia aguda. “Fomos correndo para lá, no meio da madrugada, com o menino arquejando e sem reações. Um horror”, lembrou. O hospital exigiu autorização prévia do plano de saúde. “Não tínhamos como fazer isso fora do horário comercial. Ficamos sem o atendimento até que concordamos em deixar um cheque-caução. É lamentável que, tantos anos depois, a exploração e o desrespeito aos direitos continuem a pleno vapor.”
No ano passado, o atendimento foi negado a João Pedro Costa Caldinhas, 33 anos. O empresário português veio passar as férias com a namorada, Raquel de Campos Cezar, 28, em Brasília. Caldinhas passou mal e foi levado ao Santa Lúcia, onde se recusaram a recebê-lo sem o pagamento antecipado dos procedimentos, mesmo apresentando membros inferiores e superiores enrijecidos.
“Elas falaram que só iriam dar a ele qualquer medicação caso a gente pagasse. Fiquei mais indignada com a falta de ética e compaixão das enfermeiras, que simplesmente ignoraram a presença dele”, contou a mãe de Raquel, Silvia Rosane de Campos Cezar.
Na terça-feira, o motorista Sérvulo Amador Carreio Junior, 36 anos, sentiu fortes dores nos pulmões e procurou o Hospital Brasília para receber atendimento. Lá, o médico diagnosticou um problema muscular e o liberou sem qualquer medicação. Na madrugada seguinte, o incômodo piorou e o paciente voltou ao pronto-socorro, onde uma tomografia revelou uma embolia pulmonar.
“A médica disse que ele precisava ser internado na UTI urgentemente. Só que o plano não liberou”, disse o pai, Sérvulo Amador Carreiro, 73, ao lado de sua filha, Ieda. Mesmo com dores, o cliente não foi medicado e recebeu apenas soro fisiológico, enquanto era removido para outro hospital. “É lamentável a situação do sistema de saúde do Brasil. Houve erro dos dois lados: do hospital e do plano.”
Prazo
Mesmo sem receber denúncias diretas da família do secretário Duvanier,
o Procon-DF vai pedir esclarecimentos aos hospitais Santa Lúcia e Santa Luzia para averiguar o ocorrido, segundo o diretor-geral da instituição, Oswaldo Morais. “Temos autonomia para instaurar um processo administrativo. A determinação já está no nosso departamento jurídico e, na segunda-feira, vamos mandar um ato de ofício, solicitando explicações”, afirmou. Os estabelecimentos terão prazo de 10 dias para se manifestar.
Os especialistas orientam os usuários do sistema privado de saúde a procurarem os órgãos de defesa do consumidor imediatamente nos casos de negativa de atendimento, internação ou outros procedimentos que coloquem em risco a vida do paciente. Para o diretor do Procon-DF, em situações de emergência, as questões burocráticas devem ser resolvidas pelo acompanhante do paciente, enquanto ele recebe os primeiros cuidados. “Se não há plano, nem uma forma de pagamento imediata, o familiar pode assinar um contrato ou termo de responsabilidade e acertar a conta depois”, ressaltou.
Política vil
Em nota, o Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF) lamentou a morte de Duvanier Paiva Ferreira e destacou que o drama vivido pela família do secretário é resultado de
“uma política equivocada e vil na área de saúde, da regulamentação confusa e frágil e da quase inexistente fiscalização no ramo da saúde suplementar pelos órgãos competentes”.