Parlamentares não querem que homossexual declare parceiro como dependente
Receita Federal diz que a medida será mantida.
- Do Correio Braziliense - Casais do mesmo sexo com união estável há mais de cinco anos podem declarar o Imposto de Renda da Pessoa Física em conjunto. Caso caiam na malha fina, os companheiros devem apresentar à Receita Federal documentos que comprovem o relacionamento, cumprindo as mesmas exigências impostas a uma família heterossexual. A decisão do governo, que representa um passo significativo na conquista de direitos por gays e lésbicas, causou, porém, a reação de setores mais conservadores da Câmara dos Deputados, que querem o fim da medida.
Contrário à possibilidade de declaração conjunta, que recebeu o aval do ministro da Fazenda, Guido Mantega, o deputado Ronaldo Fonseca (PR-DF) garante que a novidade é inconstitucional. “A Constituição dá o direito da dedução apenas entre homem e mulher e não para casais do mesmo sexo”, afirma. Ele entrou com uma ação popular na Justiça contra a iniciativa, alegando que a “dedução de dependente no Imposto de Renda, com base na Constituição, deve ser feita de acordo com as regras do direito familiar, que exclui esse tipo de relacionamento”. Fonseca não é o único parlamentar a pensar assim, mas a reação promete não ficar calada.
O deputado Jean Wyllys (PSol-RJ) observa que a decisão da Receita Federal está amparada no Parecer nº 1503/2010 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que trata de requerimento administrativo de servidora federal para inclusão de dependente do mesmo sexo para efeitos fiscais. “Estão usando discursos legalistas para camuflar a homofobia não assumida. Tenho muitos amigos com união estável reconhecida pela Justiça. O impacto da decisão nas receitas do governo é muito menor do que a isenção tributária de muitas igrejas evangélicas”, contra-ataca.
Malha finaO supervisor nacional do Imposto de Renda, Joaquim Adir, enfatiza que, a partir deste ano, existe um ato legal que permite a declaração em conjunto de relações homoafetivas. “Até que esse ato seja, porventura, mudado, ele precisa ser cumprido. Não cabe a nós nos manifestarmos sobre essas polêmicas. Por parte da Receita Federal, não haverá nenhum tratamento diferenciado na hora da análise das declarações. Se o casal cair na malha fina, será pelos mesmos motivos de casais com sexos diferentes”, assegura. Segundo a assessoria de imprensa da Fazenda, não há nenhuma intenção de revogar o parecer da PGFN.
Após saber da medida, o servidor da Universidade de Brasília (UnB) Evaldo Amorim, 37 anos, decidiu declarar o companheiro Sérgio Nascimento, com quem vive há cinco anos, como dependente. “Foi um avanço para os direitos dos homossexuais. Quem é contra a declaração são parlamentares religiosos e fundamentalistas, que, por puro preconceito, estão tentando derrubar uma análise séria feita pelo Poder Executivo”, reclama.
Nascimento apoia o companheiro. “Infelizmente, alguns deputados mais conservadores sempre se comportam de forma discriminatória, contra os direitos dos homossexuais. A permissão para a declaração conjunta é um reconhecimento à nossa união como família. Se a Receita Federal já vê dessa forma, o que falta para os outros órgãos do governo aprovarem os direitos dos casais homoafetivos?”, pergunta.
VantagensO tradutor David Harrad, que vive há 21 anos com o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (ABGLT), Toni Reis, diz que vai analisar as vantagens e desvantagens de declarar em conjunto. “Os casais do mesmo sexo não têm todos os direitos garantidos, assim como pessoas de sexo diferente. A declaração em conjunto era um dos direitos não reconhecidos”, lembra.
Jorge Lobão, especialista do Centro de Orientação Fiscal (Cenofisco), explica que os parceiros podem comprovar a união ao Fisco apresentando documentos como extrato de conta conjunta bancária, decisões judiciais ou atos de cartório. “Para evitar contratempos, a Receita deveria esclarecer melhor como declarar o IRPF para não deixar margem de dúvidas. Deveria especificar que o casal pode declarar em conjunto, independentemente do gênero, e não discriminar apenas como companheiro”, afirma. “O Estado não tem nenhum prejuízo quando um casal declara como dependente o companheiro do mesmo sexo.”