RIO - Uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nas obras de reforma e ampliação do Maracanã - que são feitas pelo Consórcio Rio 2014, do qual a Delta Construções faz parte - mostra que o governo estadual pagou cerca R$ 8,7 milhões por projetos executivos que apresentam falhas, não foram aprovados ou sequer saíram do papel. - Do Globo.com - O documento, ao qual O GLOBO teve acesso, revela ainda outras irregularidades, como o desembolso de R$ 226 mil acima do previsto no edital de licitação para o trabalho de transporte das cadeiras do estádio.O relatório, feito após a visita dos técnicos em março deste ano, sustenta ainda que o gasto com a modernização do estádio já poderia ter sido reduzido em R$ 27,5 milhões.
O TCE argumenta que o governo poderia ter recorrido à lei federal 12.350, que instituiu, desde dezembro passado, isenções de PIS e Cofins para os projetos relacionados à Copa do Mundo. Para o tribunal, não é "razoável" que o consórcio e o governo não tenham encontrado uma forma de usufruir dos direitos previstos na lei. O projeto do novo Maracanã está orçado em R$ 705 milhões, mas, segundo o governo, existem pedidos feitos pela Fifa que devem elevar o gasto final para R$ 931 milhões. Além da Delta, as empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez fazem parte do consórcio.Maracanã em obras. Foto Jorge Willian - O Globo.
Com relação especificamente à análise de 301 plantas, o relatório do tribunal afirma que os "itens referentes a projetos executivos somente deveriam ser medidos após a materialização do produto elaborado". No texto, técnicos afirmam que foram utilizados dados presumidos sobre as medições. Para o TCE, houve adoção de critérios distintos de medição dos projetos com relação ao que estava previsto no edital.
Segundo o documento do TCE, o Consórcio Rio 2014 utilizou uma carreta de menor porte para transportar mais de 83 mil cadeiras do Maracanã. Nos custos da obra, estava previsto o uso de carretas de 30 toneladas para esse serviço, mas as construtoras recorreram a um veículo com capacidade de 3,5 toneladas, o que acabou reduzindo suas despesas. Apesar da troca de veículos, as empresas receberam pelo valor mais alto. A diferença paga, de acordo com a inspeção, foi de R$ 226 mil.
Em resposta ao relatório, a Secretaria de Obras informou que técnicos analisaram parte dos projetos executivos. O órgão informou ainda que já foram entregues mais de duas mil plantas, todas de acordo com o projeto de reforma do estádio. O subsecretário-executivo da Secretaria de Obras, Hudson Braga, disse que o governo vai requerer terça-feira os benefícios da lei federal que reduz os impostos sobre as obras da Copa: "A Fifa estabeleceu um prazo até 15 de junho para apresentar mudanças e acréscimos aos projetos. Esse prazo acabou e, com isso, podemos requerer os descontos dos projetos".
Além de receber por projetos executivos não realizados ou sem aprovação do próprio governo estadual, a Delta foi contratada pela União para fazer a pavimentação de uma mesma estrada três vezes, entre 2008 e 2011. Os contratos - dois deles sem licitação - foram para recuperar a BR-495, antiga Estrada União-Indústria, entre Itaipava e Teresópolis. Juntos, os contratos assinados com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) somaram mais de R$ 83 milhões. Parte dos reparos foi feita entre os Kms 24 e 33 da rodovia, constantemente interditada devido a quedas de barreiras.
A assinatura do primeiro contrato ocorreu após os temporais do carnaval de 2008. Com a justificativa de caráter emergencial das obras, foram destinados R$ 10 milhões, sem licitação, para retirada de barreiras, contenção de encostas e recuperação do asfalto entre os Kms 24 e 33,3. No início de 2010, a construtora iniciou mais uma obra na rodovia. Desta vez, vencendo uma licitação para a restauração do pavimento (R$ 57,4 milhões), entre os Kms 0 e 33,5. Ou seja, incluindo os cerca de nove quilômetros que a empreiteira já havia recuperado.
Essas intervenções ainda estavam em andamento quando, em março deste ano, a Delta foi novamente contratada pelo Dnit, inicialmente por R$ 33 milhões, com dispensa de licitação. Mais uma vez, eram obras de limpeza das pistas e contenção de encostas, do Km 0 ao 33,4, após as chuvas de janeiro deste ano, que deixaram mais de 900 mortos na Região Serrana.
De acordo com Marcelo Cotrim, superintendente regional do Dnit, a construtora foi escolhida nas obras mais recentes porque já tinha maquinário próximo às áreas atingidas pelas chuvas. Ainda segundo Cotrim, o valor do contrato foi revisto e reduzido para R$ 16 milhões, após a retirada de obras em encostas que não ofereciam riscos. Já em relação às obras de restauração das pistas - as licitadas -, Cotrim afirmou que eram intervenções diferentes dos demais serviços para os quais a empreiteira foi contratada."Há 50 anos a BR-495 não sofria uma restauração profunda. É uma estrada que fica numa área de encosta e com o complicador de ter 70% de sua extensão revestida de concreto, e não de asfalto. E, no caso das obras deste ano, foram necessárias devido às chuvas" explicou Cotrim, que não quis falar sobre a contratação sem licitação da empresa em 2008, já que ele não estava à frente do Dnit.
A Delta, por sua vez, afirmou que "quem decide o tipo de obra, trechos e prazos" é o contratante.
A emergência tem sido uma aliada fiel da Delta Construções no estado . Uma das empreiteiras com mais contratos com o governo estadual, a empresa foi contemplada somente este ano, até este mês, com R$ 58,7 milhões para a realização de obras, sem que tivesse que participar de concorrências públicas. Isso representa 24,8% - praticamente um quarto - do total de R$ 241,8 milhões empenhados (recursos reservados para pagamento) só para a construtora no primeiro semestre de 2011.
AMIZADEA contratação da Delta sem licitação tem sido um recurso cada vez mais usado nos últimos anos do governo Sérgio Cabral. De 2007 até hoje, a construtora acumula contratos - com e sem concorrência - de R$ 1 bilhão com o estado. Segundo um levantamento feito por líderes do PSDB na Alerj, o ano de 2011 é o que registrou o maior percentual de dispensa de licitação para a Delta, do empresário Fernando Cavendish - era para o aniversário dele, no Sul da Bahia, que Cabral se dirigia na sexta-feira, quando caiu um helicóptero matando sete pessoas .
No primeiro ano do governador, em 2007, foram empenhados nessa modalidade R$ 10,2 milhões, 15% do valor total de contratos. Em 2008 e 2009, o percentual caiu para cerca de 3%. Em 2010, ano eleitoral, voltou a subir para 23%: R$ 127,3 milhões.
A Delta obteve contratos sem licitação nos quatro anos do governo Rosinha Garotinho: 3% , que corresponderam a R$ 12,1 milhões. Em 1999, no início do governo Anthony Garotinho, a empreiteira surgiu pela primeira vez nas contas do estado, porém na gestão dele não há registros de pagamentos sem concorrência à Delta.De janeiro a novembro do ano passado, fazendo-se um recorte específico nos dados da Secretaria estadual de Obras, constata-se que a construtora teve no período empenhos de R$ 128 milhões do órgão, sendo que R$ 74,9 milhões (58,9%) foram com dispensa de licitação.
Entre os contratos emergenciais em 2010 estão, por exemplo, a reforma do prédio-sede do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), no Centro do Rio. No Sistema Integrado de Administração Financeira do estado (Siafem) constam três empenhos com essa finalidade, com valores de R$ 2 milhões, R$ 1,5 milhão e R$ 3 milhões. Também há registros de uma série de obras viárias no município de São Gonçalo e de recuperação de encostas em Cachoeiras de Macacu.
Governo admite que aumento foi de 46%Além da falta de concorrência, outras questões polêmicas, como o reajuste de valores de obras, envolvem a Delta. Recentemente, a reforma do Maracanã, inicialmente orçada em R$ 750 mil, foi reajustada para R$ 1 bilhão. A Delta alega que parte da cobertura original do estádio está seriamente danificada e precisa ser refeita.A Delta tem ficado com uma grande fatia do bolo de recursos do estado . A empresa, que mereceu R$ 67,2 milhões em empenhos em 2007, ficou no ano passado com R$ 506 milhões, um salto de 655%. Na terça-feira, a assessoria do estado admitiu um crescimento de 46%, em comparação com o governo anterior. Usando como parâmetro as despesas totais do governo entre 2007 e 2010 (R$ 115,5 bilhões, entre investimento e custeio), o estado defende que a participação da construtora no período foi de apenas 0,86%.
Na gestão Rosinha, que teve despesas totais entre 2003 e 2006 de R$ 67,7 bilhões, foi de 0,59%. O governo alegou que esse aumento de gastos foi causado pelos crescentes investimentos do estado.Na terça-feira, sem saber que o levantamento mostrava o contrário, o deputado André Correa (sem partido), líder do governo na Alerj, defendeu a Delta e os contratos com o estado: "A Delta, ao longo de vários anos, tem serviços prestados ao estado, todos eles, sobretudo no governo Sérgio Cabral, feitos através de licitação pública".
Já a Delta, por meio de sua assessoria, sustenta que não chega a 10% o total de obras emergenciais, sendo praticamente todas relativas à tragédia da Região Serrana. A empresa também afirmou que "sua atuação não é pautada pelo relacionamento pessoal do empresário Fernando Cavendish com o governador Sérgio Cabral". Segundo a empresa, as concorrências das quais participa estão dentro da legalidade.
Na Justiça, porém, a Delta já teve até suas contas bancárias bloqueadas por uma liminar, em maio deste ano, por causa de um contrato para obras de drenagem e pavimentação de ruas com a prefeitura de Nova Iguaçu, na gestão de Nelson Bornier, em 2001. A empresa, junto com outras empreiteiras, se viu envolvida numa denúncia de desvio de cerca de R$ 100 milhões. Bornier, que também foi alvo do bloqueio, e a Delta conseguiram reverter a ordem judicial, mas o processo ainda corre na 6ª Vara Cível de Nova Iguaçu.
Em 2004, quando veio à tona uma doação de campanha de R$ 17 mil da Delta para um aliado do ex-prefeito, Bornier ficou numa saia justa e foi a público dizer que se tratava de "uma coisa de amizade". Atual deputado federal pelo PMDB, Bornier disse na terça-feira que não se lembrava da declaração feita na época.Leia mais sobre esse assunto: AQUI