O ministro Joaquim Barbosa foi eleito nesta quarta-feira, 10, o novo presidente do Supremo
Ministros escolheram o substituto de Carlos Ayres Britto, que se aposenta em novembro
- Do Estadão - Tribunal Federal (STF). A eleição, realizada por voto secreto, aconteceu antes do julgamento do mensalão.
Ricardo Lewandowski será o vice-presidente.
Joaquim Barbosa é o primeiro presidente negro da Corte Suprema. Foto: André Dusek/AE.
Pelas regras da Corte, assume a presidência o ministro mais antigo que ainda não tenha ocupado o cargo. O mandato é de dois anos. Joaquim Barbosa substituirá Carlos Ayres Britto, que se aposenta compulsoriamente em novembro, quando completa 70 anos.
Aos 58 anos, Barbosa será o primeiro presidente negro da Corte Suprema, segundo a Fundação Palmares. O ministro compõe o STF desde 2003 e foi indicado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Barbosa está em destaque desde que assumiu a relatoria do processo do mensalão.
Relator assume papel de ícone contra a corrupção
Ministro do Supremo Tribunal Federal foi indicado por Lula para o cargo e hoje é celebrado por opositores do ex-presidente e do governo petista
A anotação "Last Act - Bribery" em tinta azul sobre o papel pardo envelopava o capítulo final da história reescrita do mensalão. Na véspera do 1.º turno da eleição, o relator Joaquim Barbosa rechaçou a versão de que o pagamento de deputados federais no primeiro governo Lula era uma operação de caixa 2 para pagar dívidas de campanha.
Barbosa condenou o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu por corrupção ativa. O voto, que trazia uma teatral identificação em inglês - "Último ato - suborno" -, era obra de um homem com uma história múltipla.
Quando convenceu os colegas do Supremo Tribunal Federal a levar a julgamento os envolvidos no mensalão, em 2007, Barbosa explicou numa entrevista ao Estado que elaborava seus votos como se costurasse uma "historinha", com "simplicidade", "clareza" e "objetividade". Nessa quase novela, montada a partir de tópicos, o "clímax" era o núcleo político. Cinco anos depois, o contador da história, atualmente com 58 anos, virou o protagonista da narrativa escrita pela opinião pública e pelas ruas.

Vestido com a toga do tribunal, ele ganhou faixa presidencial e virou Batman e "anjo" em montagens feitas por jovens e adultos e publicadas no Facebook.
Barbosa chegou ao tribunal por uma situação semelhante ao sistema das cotas. Lula tinha três vagas e decidiu que uma seria reservada a um negro, outra a um nordestino - Ayres Britto - e uma terceira a um paulista - Cezar Peluso. Vários currículos chegaram às mãos do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Até o deputado Vicentinho se candidatou. Ao ler o currículo de Barbosa, Bastos viu que a formação acadêmica dele era invejável, mesmo para os padrões do STF. Barbosa tinha feito doutorado na França e estudos de língua nos EUA, na Áustria, na Inglaterra e na Alemanha.
A rede de apoio a Lula e ao PT vibrou com a escolha, em 2003, do "primeiro negro" para o STF, ignorando a controvérsia sobre o "mulato" Pedro Lessa, que atuou no tribunal de 1907 a 1921. Agora, no julgamento, partiu para o ataque contra o "autoritarismo" do ministro, que passou a ser descrito como alguém que condenava "sem provas".
A seara petista deixou de divulgar a história do garoto pobre da cidade mineira de Paracatu, um dos oito filhos de um pedreiro e de uma dona de casa, que aos 16 anos decidiu tentar a vida em Brasília. Adolescente nos anos 1970, ele fazia faxina num tribunal e trabalhava à noite nas gráficas até conseguir ingressar na Universidade de Brasília. Passou nas provas do Instituto Rio Branco, mas foi reprovado na entrevista - há quem diga, por causa da cor da pele.
Por sua vez, tucanos e defensores da condenação dos réus do mensalão passaram a ignorar as polêmicas do passado envolvendo Barbosa no STF. Em 2009, ele foi criticado quando disse ao ministro Gilmar Mendes: "V. Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas no Mato Grosso".
Barbosa gosta de tomar decisões solitariamente. Além do mensalão do PT, é relator do mensalão tucano. Certa vez, expôs uma desconfiança sobre a distribuição aleatória desses processos e avaliou a possibilidade de que alguns iam para seu gabinete de forma dirigida. Começava ali a fama de ministro que enxergava fantasmas. Ele se concentrou em processos penais.
Seus estudos e sua atuação sempre foram voltados para o Direito Público. Apesar disso, se consagra como ministro do STF pela sua atuação em processos penais, sempre com o passado de procurador da República deixando marcas em seus votos. Não é um ministro garantista - termo que identifica magistrados que tentam limitar o poder de punição do Estado. Ao contrário. A realidade dos fatos, como ocorre no Ministério Público, fala alto em seus votos.
Ao chegar ao Supremo, o ministro herdou um grande acervo de processos deixado pelo ministro Moreira Alves. O problema foi agravado com a relatoria do mensalão, a grande história que se dispôs a contar. Mesmo assim, em 2009, Barbosa foi o segundo ministro com mais processos julgados. No ano passado, ele mostrava pessimismo com o mensalão. Achava que os colegas absolveriam figuras centrais.
Ministros dizem que Barbosa se isola no tribunal ao enxergar ataques pessoais que não existem. Quando tomou posse, seus amigos eram Britto, Lewandowski e Cármen Lúcia. As relações se desgastaram. Cármen Lúcia escreveu, numa troca de e-mails com Lewandowski, que Barbosa teria dado um salto social depois da denúncia do mensalão. Com a proximidade do julgamento do caso, Lewandowski se afastou. E Britto, com quem ainda conversava, dizia que ele não se deixa ajudar. Foi numa dessas que repeliu até mesmo um elogio. Britto dissera em plenário que Barbosa havia relatado um caso de forma exemplar. Barbosa interveio: "Este caso, não, todos!". Virou piada: "Ele briga até por causa de elogio."
Joaquim Barbosa é o primeiro presidente negro da Corte Suprema. Foto: André Dusek/AE.
No mensalão, Barbosa fez o que quis. Na reunião que definiu o cronograma do julgamento, ficou acertado que levaria quatro sessões para ler o seu voto. Na hora, não revelou claramente que dividiria o julgamento em "fatias". Chegou a mencionar que seu voto seria como na denúncia, mas não disse que julgaria um item e, depois de todos os ministros votarem, começaria a julgar outro. Ele sabia que essa era a forma de manter o controle sobre o processo e contar de forma simples e didática a história do mensalão. Já na história que construiu para si, Barbosa sempre foi um personagem mais complexo.