Agência Brasil
Com nova regra em vigor, são tantos os interesses pessoais e partidários que as alianças transformam o pleito deste ano em um emaranhado de "infidelidades" e palanques duplos.
Se Stanislaw Ponte Preta fosse vivo faria uma nova versão para o Samba do crioulo doido, uma de suas composições de maior sucesso, mas tendo como inspiração desta vez a confusão das alianças que dominam as eleições deste ano e que prometem dar um nó na cabeça do eleitor. Um dos motivos de tanta esquizofrenia nessa disputa foi a aprovação em 2006, pelo Congresso Nacional, da emenda que acabou de vez com a verticalização partidária, permitindo aos partidos políticos a não vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual ou municipal. Esta é a primeira eleição geral em que vale a nova regra, já que ela não pôde ser aplicada na data de sua promulgação por ter sido aprovada em ano de disputa. Mas muitas dessas alianças também são informais, quase sempre respaldadas pelas fragilidade das legendas, onde muitas vezes os interesses pessoais se sobrepõem aos partidários. Outro fato significativo são os interesses que envolvem as coligações proporcionais (para eleição de deputados), que muitas vezes pesam mais na formalização dos acordos estaduais sobrepondo-se às decisões dos partidos, que têm caráter nacional.
Um dos exemplos dessa loucura vem do segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais. No estado, PT e PMDB, partidos da candidata de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, Dilma Rousseff, e de seu vice, deputado federal Michel Temer (SP), se aliaram na disputa pelo governo, mas muitas das outras legendas que apoiam a chapa petista ao Palácio do Planalto não fazem parte do palanque estadual. Caso do PSB, que apoia a candidatura de Dilma, mas que no estado está ao lado do candidato do PSDB ao governo mineiro, Antonio Anastasia. Apesar disso, não vai apoiar toda a chapa majoritária dos tucanos mineiros. No caso do Senado, o PSB vai de Fernando Pimentel, ex-prefeito de BH, indicado pelo PT para disputar uma das vagas da alta corte. A escolha do PSB é pragmática e aposta na popularidade dos maiores cabos eleitorais dessa disputa no estado: o presidente Lula e o ex-governador Aécio Neves, que também disputará uma vaga no Senado. Mesmo caso do PDT que nacionalmente apoia Dilma, mas na disputa local fechou aliança com o PSDB e avalia qual o melhor caminho seguir no caso das proporcionais, já que a principal preocupação da legenda é aumentar sua bancada de deputados.
Exemplos como o de Minas não faltam pelo país afora. Na sexta-feira mais uma capítulo dessa novela de traições e alianças esdrúxulas foi escrito. O PSDB anunciou que indicará o senador tucano Álvaro Dias (PR) para ser o candidato a vice na chapa presidencial de José Serra (PSDB), embolando de vez a disputa no Paraná. Lá o irmão de Álvaro Dias, o também senador Osmar Dias (PDT), ensaiava uma aliança com o PT e o PMDB na disputa pelo governo do estado. Agora pode desistir da candidatura ao governo e disputar mais um mandato no Senado, com o apoio do ex-prefeito de Curitiba, Beto Richa, candidato do PSDB ao governo.
Até a senadora Marina Silva, candidata do PV, que deve disputar com chapa pura a Presidência da República, enfrenta traições e palanques duplos. No Rio de Janeiro, o candidato do PV ao governo, deputado federal Fernando Gabeira, tem como aliados os dois principais partidos que dão sustentação à candidatura de Serra, DEM e PPS, além do próprio PSDB. Na convenção do dia 19, que selou a aliança serrista de Gabeira, a foto de seu palanque era algo surreal. De um lado uma foto gigante de Marina Silva, do outro a de José Serra, no centro Gabeira discursava para a militância. Marina e Serra providencialmente se atrasaram para o evento e não chegaram a tempo de discursar nem dividir o mesmo palanque, muito menos tiveram de enfrentar tamanho constrangimento.
No Acre, a senadora também terá de dividir o palanque com a ex-ministra Dilma Rousseff. É que na terra natal de Marina o PV decidiu não lançar candidato ao governo do estado e sim apoiar a eleição do senador Tião Viana (PT), que foi companheiro de Marina de legenda e de lutas durante o tempo em que ela esteve filiada ao Partido dos Trabalhadores. Comandado nacionalmente pelo arqui-inimigo do governo Lula, o PTB do ex-deputado Roberto Jefferson (RJ) teve de enquadrar sua bancada para conseguir fechar uma aliança com o tucano José Serra, mas não escapou de dissidências. Em Alagoas, o senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB), candidato ao governo do estado, apoia a candidata de Lula, apesar de sua legenda integrar nacionalmente a aliança serrista. Dilma também contará com o palanque oficial de Ronaldo Lessa, que disputa o comando do estado pelo PDT, partido que nacionalmente integra a chapa da petista.
Reforma política
Para o cientista político Fábio Caldeira, essa confusão nas alianças é resultado do sistema político nacional, que, segundo ele, é "falido e caótico". “Isso tudo é extremamente negativo para o fortalecimento da democracia representativa e dá um nó na cabeça do eleitor, gerando casos explícitos de infidelidade partidária. Na maioria das vezes, o interesse de uma ou outra liderança se sobrepõe e quando terminam as eleições tudo se desfaz. Muitas das coalizões formadas para as eleições não darão suporte aos governos eleitos”, comenta.
Para ele, um passo importante para acabar com essa confusão seria a aprovação de uma reforma política profunda , com foco no fortalecimento dos partidos políticos. Outra mudança essencial, segundo ele, seria o fim das coligações para as eleições proporcionais (deputado e vereador), adotado unicamente no Brasil. Nas coligações proporcionais diversas legendas se unem e os votos recebidos pelos candidatos são contabilizados como se todos fossem de um único partido. “Isso fragiliza as legendas e cria uma crise de representação política.”
Não é à toa que os partidos políticos convivem há muitos anos com a desconfiança da população brasileira. A organização não governamental Latinobarómetro, com sede no Chile, responsável todos os anos por pesquisas de opinião na América Latina, revela que somente um em cinco brasileiros acredita nos partidos, uma das instituições da democracia mais desacreditas entre os brasileiros.