E o descaso e as tragédias continuam!
- Por Earle Bastos - De repente, você liga o televisor, o rádio, abre o jornal, entra na internet e as únicas notícias que encontra são sobre a tragédia das chuvas que assolam os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e agora, e de novo, Santa Catarina.Desastres naturais, como os que ocorreram na região serrana do Rio de Janeiro, geralmente são causados por uma série de fatores, mas principalmente por uma chuva de intensidade acima da normal. Mas desastres como esses só se transformam em tragédias humanas porque, com a tolerância e até o estímulo irresponsável do poder público, áreas sob risco permanente de deslizamentos são ocupadas desordenadamente. Na região serrana fluminense, nas encostas e nas áreas devastadas pela avalanche de lama e pedras encontram-se desde favelas até residências de ricos, sítios de lazer e hotéis de luxo.O problema é que há décadas que tragédias semelhantes acontecem nos mesmos municípios afetados, Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, cidades do Sul de Minas e em Santa Catarina. Tragédias que deveriam ter servido de alerta às autoridades no sentido de adotar medidas preventivas para, pelo menos, reduzir os efeitos das chuvas de janeiro. A nível federal, a resposta da presidenta Dilma Rousseff foi rápida. Ao contrário de Lula em outras ocasiões, Dilma foi nos locais dos desastres, colocou os pés no barro. E liberou imediatamente 780 milhões do governo federal, enviou 7 toneladas de medicamentos e os homens da Força Nacional. A única entrevista de Dilma depois da posse foi concedida após sobrevoo das áreas atingidas pelas enchentes no Rio, na última quinta-feira. Na ocasião ela criticou os anos de descaso do poder público, que permitiu que milhares de famílias ocupassem irregularmente áreas de risco, prometendo ajuda às famílias atingidas.Dilma ficou bem na fita. Mostrou logo no início de seu mandato que está tratando o cargo de presidenta com muita seriedade e ompetência.Já na esfera estadual, o governador Ségio Cabral, coitado, deu-se ao luxo de tirar férias no exterior. E só voltou para ver o estrago quando foi atropelado pela presidenta Dilma. Cabral voltou correndo, ou melhor, voando.É sempre complicado em desastres, como este do Rio, medir exatamente quanto da responsabilidade é dos governantes.Mas não houve, até agora, decisões dos governantes, prefeitos e governador, de criar mecanismos que venham impedir que as chuvas que todos os anos causam desastres na região serrana do Rio continuem a matar pessoas e destruir cidades.Desde sempre, as autoridades locais, às quais compete regulamentar e fiscalizar o uso do solo e impedir a construção de moradias em áreas de risco, como as encostas e as regiões sujeitas a inundações, assistiram impávidas à ocupação desordenada dessas áreas.O problema é que o exercício desse tipo de autoridade no Brasil é associado a autoritarismo. Para todo prefeito ou governador que tente deslocar gente que mora em situação de risco sempre haverá um adversário a conclamar a população a resistir. Se tentarem tirar os pobres, virão dezenas de entidades "protetoras" defender os "direitos" das comunidades. Se tentarem tirar os ricos, ou "classe média", os "contatos" e "bons relacionamentos" encarregar-se-ão de fazer chegar ao governante a inconveniência da medida.CONFISSÃO PÚBLICA MUNDIAL DO DESCASOO governo brasileiro admitiu à Organização das Nações Unidas (ONU) que grande parte do sistema de defesa civil do País vive um "despreparo" e que não tem condições sequer de verificar a eficiência de muitos dos serviços existentes. O Estado obteve um documento enviado em novembro de 2010 por Ivone Maria Valente, da Secretaria Nacional da Defesa Civil (Sedec), fazendo um raio X da implementação de um plano nacional de redução do impacto de desastres naturais. Suas conclusões mostram que a tragédia estava praticamente prevista pelas próprias autoridades.Na versão enviada pelo próprio governo do Brasil ao escritório da Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres, no fim de 2010, as constatações do relatório nacional são alarmantes. "A maioria dos órgãos que atuam em defesa civil está despreparada para o desempenho eficiente das atividades de prevenção e de preparação", afirma o documento em um trecho. Praticamente um a cada quatro municípios do País sequer tem um serviço de defesa civil e, onde existe, não há como medir se são eficientes."Em 2009, o número de órgãos municipais criados oficialmente no Brasil (para lidar com desastres) alcançou o porcentual de 77,36% dos municípios brasileiros, entretanto, não foi possível mensurar de forma confiável o indicador estabelecido como taxa de municípios preparados para prevenção e atendimento a desastres", diz o documento em outra parte.O governo também reconhece que a situação é cada vez mais delicada para a população. "A falta de planejamento da ocupação e/ou da utilização do espaço geográfico, desconsiderando as áreas de risco, somada à deficiência da fiscalização local, têm contribuído para aumentar a vulnerabilidade das comunidades locais urbanas e rurais, com um número crescente de perdas de vidas humanas e vultosos prejuízos econômicos e sociais", diz o documento assinado por Ivone Maria.Consequência. "A não implementação do Programa (de redução de riscos) contribuirá para o aumento da ocorrência dos desastres naturais, antropogênicos e mistos e para o despreparo dos órgãos federais, estaduais e municipais responsáveis pela execução das ações preventivas de defesa civil, aumentando a insegurança das comunidades locais", afirmou o relatório.O órgão também deixa claro que o Brasil estaria economizando recursos se a prioridade fosse a prevenção. "Quando não se priorizam as medidas preventivas, há um aumento significativo de gastos destinados à resposta aos desastres. O grande volume de recursos gastos com o atendimento da população atingida é muitas vezes maior do que seria necessário para a prevenção. Esses recursos poderiam ser destinados à implementação de projetos de grande impacto social, como criação de emprego e renda", conclui o documento.
É graças ao descaso das autoridades que se repetem em 2011 as tragédias anos passados. Além de afetar dolorosamente a vida das famílias, a falta de projetos e ações destinadas a evitar a ocorrência de desastres naturais em áreas ocupadas por residências tem um forte impacto financeiro. Por não aplicar o que pode em prevenção, o governo acaba tendo de gastar muito mais em obras de recuperação. Mas até hoje, nada de obra.A mídia comemora. As audiências estão no pico em todos os telejornais e milhões de acessos aos sites de notícias.Assim, devemos esperar que em todo janeiro com muita chuva vai continuar morrendo gente...