Águas Lindas sem saneamento básico, asfalto, saúde, educação e segurança
- Do Correio Braziliense - Cerca de 80 mil pessoas saem de Águas Lindas de Goiás e percorrem 44km todos os dias rumo a Brasília. Sem emprego suficiente no município goiano, é em Ceilândia e em Taguatinga que muitas famílias trabalham para tirar o sustento. Além da distância, os aguaslindenses enfrentam dificuldades com o transporte, que demora até uma hora para passar, dependendo do destino. Quando o coletivo chega, normalmente lotado, o jeito é se espremer entre os passageiros e aguardar o término da viagem, que dura cerca de uma hora até a Rodoviária do Plano Piloto.
Além do sofrimento da demora e do preço da passagem (R$ 4,25), o passageiro tem de esperar o ônibus ao relento. O único abrigo é o guarda-chuva dos vários quiosques de balinhas instalados à beira da pista. “É muito difícil ficar nesse sol. E quando chove? É ruim demais colocar o pé na lama e chegar molhada no serviço”, disse a auxiliar de serviços gerais, Lucimária Alves Moura, 31 anos. Ela e mais duas pessoas, a aposentada Inês Chaves Ferreira, 59, e a filha Terezinha Alves Melo, 37, aguardavam ônibus para Taguatinga. A espera demorou pouco mais de 40 minutos. “Ônibus lotado é gentileza para nós. Andamos espremidos. Estamos num estado de calamidade. Moramos aqui porque precisamos. Foi onde conseguimos comprar um lote, mas é realmente muito difícil”, disse Inês.
As dificuldades com o transporte estão entre as mais graves enfrentadas pela população. Na lista, também está a falta de segurança, de saúde e de saneamento básico. Para se ter noção do que ocorre, Águas Lindas é um dos 10 municípios mais violentos do país, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Ela é ainda uma das mais inseguras do Entorno. Em 2009, houve 74 homicídios. De janeiro a novembro de 2010, o Centro Integrado de Operações Policiais (Ciops) registrou 85 assassinatos.
Os índices são um reflexo do aumento populacional desordenado, acompanhado da falta de investimentos do governo. Hoje, o número de habitantes do município goiano é estimado em 159.505 pessoas, de acordo com Censo 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A quantidade de habitantes teve crescimento de 50,8% nos últimos 10 anos, superando a média nacional de 12,3%.
O delegado-chefe do Ciops, Hylo Marques, reclamou da urgente necessidade de investimentos nos equipamentos de segurança. Disse que é preciso modernizar o sistema, contratar mais agentes e comprar carros. São apenas 49 policiais e oito viaturas. Quando alguém é assassinado, o corpo chega a ficar até oito horas no chão, à espera de um rabecão para ser recolhido. O veículo vem de Luziânia (GO), distante 190 km. É o mesmo que atende todos os municípios vizinhos, como Cocalzinho, Padre Bernardo, Valparaíso, Cidade Ocidental e Cristalina.
As baixas condições de salários dos agentes também os fazem migrar para locais melhores. Em Águas Lindas, pelo menos 10 agentes deixaram a unidade no início do ano após passar em concurso e ser admitido em Brasília. Enquanto o salário de um policial civil no DF chega a R$ 7 mil, em Goiás a remuneração é de R$ 2,7 mil. “Apesar da pouca estrutura, os policiais estão prendendo os criminosos e dando uma resposta à sociedade, mas eu lamento o recurso que se aplica na segurança do Entorno de Brasília. O resultado disso é a inoperância da polícia e a ineficácia nas investigações”, destacou o delegado.
MedoFrancisca*, 72 anos, é dona de uma padaria no Setor Barragem I. Em outubro deste ano, ela teve uma arma apontada para a cabeça. Três jovens chegaram de bicicleta pouco antes do meio-dia, passaram por clientes e anunciaram o assalto. Levaram cerca de R$ 1 mil em dinheiro e maços de cigarro. O trauma fez Francisca colocar grades na entrada. Assim, os clientes passaram a ser atendidos do lado de fora. “Não confio mais em deixar aberto. A hora que eu vejo alguém de boné e bermuda eu já fico tremendo de medo”, disse.
A estudante de nutrição Camila*, 21 anos, também é vítima da violência. Em dezembro do ano passado, a jovem sofreu um estupro durante o dia. Eram 15h quando ela ia para a casa do namorado e o homem com vestimenta de ciclista se aproximou e mandou que ela subisse na garupa. O estuprador a levou para um matagal próximo e, depois de abusá-la, ordenou que ela não saísse do local por pelo menos cinco minutos. “Não sabia se eu gritava ou se chorava. Ele dizia que ia me matar se eu fizesse alguma coisa. Fiquei sem reação”, contou Camila.A vítima levou a reportagem do Correio até o local do crime. A área fica distante apenas 300 metros da casa dela. Ninguém viu nada, e o autor não foi preso. No dia seguinte, outra garota foi abusada na mesma região. Ela descreveu o criminoso com as mesmas características do homem que estuprou Camila. “Aqui tem muito mato, não tem nem iluminação e é longe de tudo e de todos. Foi revoltante o que aconteceu comigo porque nunca vi polícia passando por aqui”, reclamou.