- Por José Aparecido Miguel, do JB Online -Satanizar a política, a médio e longo prazos, é um risco à democracia seja no Brasil seja em outros países – especialmente do Ocidente – que a adotam. A política é ferramenta essencial para a evolução democrática, permitindo o debate para evolução da sociedade e a regulação de suas relações, respeitados os direitos de todos nós, e das minorias.
Feita esta ligeira colocação, espantam a todos os números e os efeitos da corrupção e do desvio de dinheiro público que assolam o Brasil – e, certamente, outros países. Porém, nos mais evoluídos, as ferramentas de controle e o combate à impunidade são mais eficazes e permanentes.
Como já disse o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, no dia da Padroeira do Brasil, a corrupção “está por toda parte” (Folha de S. Paulo, 12 de outubro de 2011).Acrescento: não só na política, mas no conjunto da sociedade. Há grandes empresas privadas, por exemplo, que rastreiam a viagem de seus funcionários para checar se eles não trocam de hotéis escolhidos, por hospedagem em outros mais baratos, para ganhar “uns reais”/”uns dólares”/”uns euros”, por fora.
Outro exemplo, entre dezenas de casos: a maioria dos adultos conhece a nota fiscal de “valor a mais”.
A última
Veja (26 de outubro de 2011, data de capa) trata do tema com a manchete
“Dez motivos para se indignar com a corrupção”. Relaciona outros mais no texto das páginas internas.
Escreve que
“720 bilhões de reais foram roubados dos cofres públicos brasileiros nos últimos dez anos (51% de recursos federais, 30% estaduais e 19% municipais), segundo estimativa da Federação das Indústrias do Estado de S. Paulo (Fiesp)”.
A corrupção drena anualmente 85 bilhões de reais, o equivalente a 2,3% de toda a riqueza produzida pelo país. Dos bilhões desviados a cada ano, o governo só consegue descobrir 1%.
Com 85 bilhões de reais, segundo a revista, seria possível:- Erradicar a miséria no Brasil, tirando dessa condição 16 milhões de pessoas – e ainda sobrariam 5 bilhões de reais.-Pagar o benefício máximo (242 reais mensais) do programa Bolsa Família para 13 milhões de famílias por mais de dois anos.-Aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) per capita de cada brasileiro (sua renda, portanto) de 19.265 reais por ano para 19.708 reais (mais 443 reais).-Construir 28 mil escolas para 360 alunos cada uma.-Formar 312 mil médicos nas melhores universidades particulares do país – atualmente formam-se 16 mil por ano.-Pagar 17 milhões de sessões de quimioterapia para tratamento de câncer.-Custear 34 milhões de diárias de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) nos melhores hospitais particulares do Brasil.-Construir 33 mil unidades de pronto atendimento 24 horas.-Construir 1,5 milhão de casas populares, suprindo assim 30% do déficit habitacional do Brasil.-Construir 241 quilômetros de metrô, mais que o dobro do que existe hoje em São Paulo e no Rio de Janeiro.-Construir 36 mil quilômetros de estradas, o equivalente a 17% do que existe hoje.-Custear 2 milhões de bolsas de mestrado.-Comprar 18 milhões de bolsas de luxo (iguais aquelas com que os corruptos presenteiam sua mulher e amantes).A revista Veja aponta que, no governo, campeão de irregularidades, em reais, é o Ministério da Saúde, seguido das pastas de Integração Nacional e de Educação.FONTE OFICIAL
Há números diferentes, também gigantescos:
O Globo (dia 23) tem a manchete
“Corrupção deixa escapar R$ 67 bilhões em 8 anos”, seguida do destaque: de cada R$ 100 desviados, governo federal só recupera R$ 2,34.
Os dados são de fonte oficial. “De 2003 a 2010, pelo menos R$ 67,9 bilhões foram desviados dos cofres públicos para o ralo da corrupção. Os dados são da
Advocacia Geral da União (AGU), órgão encarregado de cobrar dos devedores o dinheiro perdido. A AGU admite que, nesse período, só conseguiu recuperar R$ 1,5 bilhão.
Ou seja, de cada R$ 100 desviados, só R$ 2,34 voltam para a União.
Do total recuperado, mais de 93% são referentes a convênios com entidades, prefeituras e estados. Um caso exemplar é o do ex-senador Luiz Estevão (PMDB-DF), condenado em 2001 a devolver R$ 900 milhões, em valores atualizados. Até agora, a União só recebeu R$ 54,9 milhões”.
Informa-se ainda que, por lei, as ações não prescrevem, mas muitos acusados acabam transferindo seu patrimônio a terceiros para escapar da cobrança. A AGU diz que o total de dinheiro recuperado vem crescendo nos últimos anos e criou um grupo de 120 advogados encarregados de resgatar as verbas desviadas.
ROUBALHEIRA RECORDE
Há, neste cenário, casos específicos também assustadores.
Editorial de
O Estado de S. Paulo (dia 16) trata de
“Roubalheira recorde” no Estado do Amapá, um dos mais pobres da federação.
“Inquérito feito com a colaboração de técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU) revela o envolvimento de membros dos Três Poderes estaduais, do Tribunal de Contas e da prefeitura da capital, Macapá, em desvios de recursos públicos que somaram, ao longo de dez anos, cerca de
R$ 1 bilhão”.
O jornal acrescenta que, em junho, na maior moita, a verba indenizatória dos 24 deputados estaduais do Amapá foi elevada para inacreditáveis R$ 100 mil por mês. Essa verba indenizatória é quase três vezes maior do que a paga pela Assembléia de Alagoas – de R$ 39 mil -, considerada recordista em generosidades no trato de seus deputados, até que se conheceram os hábitos amapaenses. E corresponde a sete vezes o que os deputados federais recebem para cobrir as mesmas despesas gerais de aluguel, transporte e consultoria.
Ao mesmo tempo, a Assembléia Legislativa está caindo aos pedaços. “A verba que sobra para a farra dos deputados falta para manter o prédio em condições minimamente dignas. A Casa tem 3.121 funcionários, apenas 134 efetivos. Os demais são nomeados pelos deputados. Mas não são encontrados no prédio, até porque a maior parte é constituída de fantasmas. Entre os quase 3 mil comissionados, outra revelação inacreditável: 626 ocupam o cargo de agentes parlamentares da presidência; 272 atuam como agentes especiais da presidência e 89 são assessores especiais da presidência. Ao todo, 987 para servir ao chefe do Legislativo”, escreve o Estadão.
AVANÇO
Em meio a tanta crítica, a sociedade vai avançando. A Câmara Federal aprovou um projeto que amplia e fortalece as investigações sobre lavagem de dinheiro, passando a incluir, por exemplo, caça-níqueis e bingos. Serão monitorados negócios de empresários de jogadores de futebol e artistas. O projeto vai agora para o Senado, segundo
O Globo (dia 26). Mais: o Supremo Tribunal Federal informa que decidirá logo se Ficha Limpa valerá para 2012.
A
Folha de S. Paulo (dia 26) define como “boa notícia” sua manchete. Senado aprova fim do sigilo eterno de dados. “Se for sancionada pela presidente Dilma Rousseff, lei limitará a 50 anos segredo de papéis dos três Poderes e em todos os níveis de governo – União, Estados, Distrito Federal e cidades. Hoje, os papeis são mantidos em segredo por até 30 anos, prazo que pode ser renovado indefinidamente. Porém, na opinião do colunista Fernando Rodrigues, “nada garante que o pais amanhecerá mais transparente; é preciso implantar uma nova cultura de armazenamento de dados”.