As mortes por infecções de Streptococcus pyogenes levantam suspeitas sobre a circulação de bactérias mutantes na cidade
O micro-organismo que já matou duas pessoas do sexo feminino em Brasília não é considerado complexo e resistente. Atinge principalmente crianças e é um dos causadores de faringites.
Investigações da Vigilância Epidemiológica vão mostrar se há alterações nas cepas das bactérias que infectaram as vítimas recentes. Especialistas explicam que é muito difícil prevenir as contaminações por essa bactéria, já que ela tem grande circulação: cerca de 15% da população possui o micro-organismo no sistema respiratório, mas não manifesta qualquer infecção ou sintoma.
O diretor científico da Sociedade Brasiliense de Infectologia, Henrique Pinhati, diz que as mortes, ocorridas entre agosto e setembro, causam estranhamento. “Sem dúvidas, há uma cepa diferente circulando pela cidade. De repente, começou a haver óbitos de forma incomum. Isso pode ser atribuído à presença de uma bactéria com maior produção de toxinas”, justifica Pinhati. Mesmo se houver eventuais mutações, o especialista garante que não se trata de um micro-organismo resistente a antibióticos. “O tratamento normalmente é feito com penicilina, da forma mais tradicional. O problema é que essa bactéria tem uma agressividade intrínseca”, comenta o infectologista.
Henrique Pinhati garante, entretanto, que a população não precisa ficar em pânico. Na opinião do especialista, quem deve se manter alerta é a comunidade médica. “Os profissionais que atenderem pessoas com os sintomas de infecção nas emergências dos hospitais devem prestar atenção para fazer esse diagnóstico. O surgimento de variantes mais agressivas de uma bactéria não é um fenômeno incomum, mas normalmente esses agentes infecciosos muito severos com os hospedeiros desaparecem rapidamente. Isso aconteceu na Europa, no caso da chamada bactéria carnívora”, diz Pinhati.
Se na maioria das vezes a Streptococcus pyogenes não causa danos, algumas infecções podem ser graves e letais. Um exemplo do que o micro-organismo pode provocar é a escarlatina — uma manifestação dessa bactéria que causa vermelhidão na pele por conta de toxinas mais fortes. A doença normalmente começa com uma faringite e evolui para sintomas mais severos. Nas complicações graves, a escarlatina causa até problemas renais.
Variações
O professor de infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Antônio Carlos Pignatari assegura que a Streptococcus pyogenes normalmente não apresenta resistência contra antibióticos, mas ele destaca o perigo que representam algumas variações da bactéria. “Algumas cepas podem produzir toxinas e acarretar casos muito graves, até com óbito. Essa bactéria pode ter transmissão entre pessoas, particularmente em crianças, pelo contato das mãos, e podem acontecer pequenos surtos”, afirma.
Pignatari também acredita na possibilidade de bactérias diferentes estarem em circulação. “O que poderia justificar esses casos mais graves e os óbitos é a disseminação de cepas toxigênicas, produtoras de toxinas.
Elas têm potencial de provocar manifestações mais graves. Mas não se trata de cepas resistentes a antibióticos”, acrescenta o infectologista da Unifesp. “Os laboratórios clínicos identificam com facilidade essa bactéria com a realização de culturas e também de um teste rápido, que consiste na coleta de material da garganta. Isso pode ser feito no próprio pronto-socorro”, finaliza Pignatari.
O infectologista Alexandre Cunha, que preside a Sociedade Brasiliense de Infectologia, afirma que não há estatísticas sobre a ocorrência de infecções e de óbitos por Streptococcus pyogenes. “Essa não é uma infecção de notificação compulsória, então não sabemos a real frequência. Podem ter havido dezenas de registros, ou apenas os dois citados.
Mas como os médicos começaram a comentar esses casos, a Secretaria de Saúde divulgou a nota técnica”, explica Cunha. Ele não classifica os casos como um surto de Streptococcus pyogenes. “Do ponto de vista de saúde pública, é mais importante fazer uma investigação individual dos registros, até porque não há como prevenir a transmissão”, comenta.
Ação rápida
As bactérias carnívoras são um tipo grave de micro-organismo, que receberam esse nome por conta do efeito sobre o corpo humano. Elas agem sobre a pele e depois sobre os músculos com um efeito de necrose, como se estivessem “comendo” a carne humana. A ação da bactéria carnívora é extremamente rápida e ela pode levar a óbito em grande parte das infecções.
Perigosa
Ao contrário da Streptococcus pyogenes, que não é resistente a antibióticos, outra bactéria se transformou em ameaça nos hospitais públicos e particulares de Brasília. No ano passado, um surto de Klebsiella pneumoniae carbapenemase colocou médicos e pacientes em alerta. Conhecida como KPC, a bactéria era extremamente resistente aos antibióticos e fez pelo menos 25 vítimas somente entre outubro e dezembro do ano passado.