- Da Folha.com - A venda de terreno para instalação de uma fábrica austríaca em Queimados (RJ) rendeu lucro de R$ 9,2 milhões em apenas cinco dias a uma empresa fornecedora do município da Baixada Fluminense
Neste período, o valor da área passou de R$ 2,5 milhões para R$ 11,7 milhões.
Os contatos para a negociação foram intermediados pelo prefeito da cidade, Max Lemos (PMDB).Prefeito deQueimados - RJ, Max Lemos. Lucro de R$ 9 milhões na intermediação de terreno.
A companhia austríaca RHI comprou por R$ 11,7 milhões da empresa Jogasus a área de 980 mil m² para instalar fábrica de peças para a indústria siderúrgica, em novembro de 2010.
Sede da empresa Jogasus, na Baixada Fluminense, que comprou área por R$ 2,5 mi e vendeu por R$ 11,7 mi. Foto: Pedro Carrilho/Folhapress.
Cinco dias antes, o mesmo terreno havia sido comprado pela Jogasus --que é uma pequena empresa de construções de Duque de Caxias-- por apenas 21% desse valor.
A Folha foi avisada da contratação por uma mensagem ao
Folhaleaks, canal criado pelo jornal para receber informações e documentos.
O prefeito afirma que a valorização dos preços dos terrenos na região é muito rápida e que a área vale hoje cinco vezes mais do que o valor pago pela empresa austríaca.A Jogasus diz que acertou a compra do terreno cinco meses antes, mas só formalizou na véspera de revendê-lo. A RHI diz que o valor pago foi semelhante ao de terrenos vizinhos.
COMPRA E VENDA
A história da triangulação comercial começou em abril de 2010, quando João Ferreira de Jesus, procurador da Jogasus, foi apresentado pelo prefeito --seu conhecido desde a década de 90-- a um dos donos do terreno, José Augusto Vereza.
O representante da Jogasus afirmou que tinha interesse em criar um espaço para logística na área. Segundo Ferreira, ele e Vereza acertaram que o terreno seria vendido por R$ 2,5 milhões. Quando a venda seria registrada, no início de junho, Vereza morreu.
A família manteve interesse na venda, condicionada à resolução dos entraves de testamento e inventário.
No fim de junho, a austríaca RHI procurou o prefeito Max Lemos pedindo que indicasse um terreno para instalar sua fábrica. O político indicou o mesmo terreno que havia apontado à Jogasus, cuja compra ainda não havia sido formalizada.
Algumas semanas depois, João Ferreira entrou em contato com a empresa austríaca para iniciar as conversas.
As negociações começaram antes de a Jogasus se tornar proprietária do terreno.
As duas partes afirmam, no entanto, que a família Vereza já estava comprometida com a venda e o preço acertado pelo patriarca.
Representantes dos antigos proprietários negam a informação e dizem que desconheciam a participação da RHI na negociação.
A primeira venda, para a Jogasus, foi formalizada em 4 de novembro, por R$ 2,5 milhões. Em 9 de novembro, foi feito o repasse à RHI, por R$ 11,7 milhões.Em abril de 2011, o terreno foi beneficiado pela ampliação do distrito industrial de Queimados, o que concedeu benefício fiscal à empresa, como isenção de IPTU e redução na alíquota de ICMS.
A empresa Jogasus, com sede em Duque de Caxias, passou a ter contratos com a prefeitura de Queimados a partir da gestão de Lemos.
OUTRO LADO
O prefeito de Queimados, Max Lemos (PMDB), afirmou que apenas apresentou investidores a proprietários de terrenos, sem participar da negociação que gerou lucro de R$ 9,2 milhões à empresa fornecedora do município.
Segundo Lemos, os terrenos na cidade têm valorizado muito em razão do crescimento do distrito industrial.
"Se você me perguntar, eu lhe digo: foi um lucro absurdo. Mas é essa valorização que está ocorrendo na cidade. Se a RHI quiser vender hoje, há quem compre por cinco vezes o que ela pagou."
Ele afirmou que não participou da negociação do terreno. Segundo Lemos, seu único objetivo foi fomentar o desenvolvimento da cidade.
"Não trato de operação imobiliária. Meu interesse é agilizar os contatos para trazer investimentos para a cidade", disse o prefeito.
Lemos negou relação entre os contratos que a empresa Jogasus têm com a prefeitura e o lucro na transação. "Ela participa de licitações e faz algumas obras. Não é uma grande fornecedora."
O procurador da Jogasus, João Ferreira de Jesus, afirmou que o valor da transação já estava decidido em junho, quando um dos proprietários morreu. Ele diz que pretendia utilizar o terreno, mas vendeu em razão da boa proposta.
"É algum crime fazer um bom negócio?"A RHI afirmou que sabia da situação do terreno desde o início e que o valor pago é o praticado na região.
BOOM INDUSTRIAL
O município de Queimados, um dos mais pobres da Baixada Fluminense, vive um “boom” industrial sem precedentes na sua história, com 22 empresas em fase de instalação e uma fila de pelo menos oito pleiteando vagas. A origem da corrida foi a inclusão, em janeiro deste ano, do distrito industrial da cidade entre as áreas do Rio de Janeiro beneficiárias da
Lei 5.636, que reduz de 19% para 2% a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para novas empresas que não concorram com outras instaladas em regiões do Estado não abarcadas pelo benefício.
Os investimentos até agora detalhados somam R$ 491,9 milhões, contando apenas com a primeira fase do maior de todos os projetos, o da empresa austríaca RHI, fabricante de refratários e laminados para altos-fornos. Ela comprou área de
um milhão de metros quadrados para instalar em Queimados a unidade que antes funcionava no Chile.
A empresa informou à Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin), responsável pela gestão dos distritos industriais do Estado, que a primeira fase da fábrica receberá investimento de € 100 milhões (R$ 234,1 milhões ao câmbio de ontem) e vai gerar 400 empregos diretos e 1.100 indiretos.
Em uma segunda fase, a RHI deve empregar diretamente cerca de 2 mil pessoas, segundo informações fornecidas ao governo do Estado e ao prefeito de Queimados, Max Lemos (PMDB). Com eles, o total de novas vagas industriais diretas no município chega a 4.038 nas 22 empresas, 21 das quais já firmaram contratos com a Codin.
Além da empresa austríaca, outras grandes indústrias estão em fase de instalação na cidade. Uma delas é a multinacional Procter & Gamble, fabricante de alimentos, perfumarias e produtos de higiene e limpeza. Vai investir R$ 30 milhões na fábrica da Baixada Fluminense, que deverá gerar cerca de 600 novos empregos. Outra grande empresa, já em fase de instalação, é a Deca, fabricante de louças e metais sanitários, controlada pela Duratex, do grupo Itaúsa.