- Do Correio Braziliense - De manhã bem cedo, o engenheiro civil Arthur Malaquias pega a Via Estrutural para ir trabalhar. Até chegar ao canteiro de obras, distante 40 quilômetros de casa, leva bem menos tempo que a maioria das pessoas que fazem o percurso pela mesma pista, no mesmo horário, saindo do Entorno para trabalhar no Plano Piloto ou em cidades do DF. A diferença é que Arthur mora em Águas Claras e a construção que gerencia fica em Águas Lindas, Goiás. No fim do expediente, horário de rush, é a mesma coisa: engarrafamento de lá, trânsito tranquilo de cá!
Formado há um ano, em Goiânia, o jovem de 23 anos trabalha na construção civil desde fevereiro. Quando chegou ao DF, morou por um tempo em um alojamento de engenheiros, em Águas Claras. Chegou a procurar lugares para ficar na cidade onde trabalha, mas desistiu após verificar a precariedade da cidade. “Aqui não tem muita infraestrutura, até restaurante para almoçar é complicado de achar. Todos os meus colegas vivem em Águas Claras. Fica mais caro, mas o custo-benefício é melhor. Onde eu moro, tenho melhores opções de lazer e mais segurança”, explica.
Arthur entrou para a empresa como trainee e progrediu até chegar ao cargo atual de gerente de obras. O trabalho consiste em organizar a construção de casas populares. Para ir e voltar do canteiro de obras, ele dirige cerca de 80 quilômetros por dia. “Não gosto da distância, da rotina de ir e vir, mas isso não me atrapalha. Adoro o trabalho, é muito gratificante”, assegura. Apesar do trajeto que precisa percorrer diariamente, a ausência de engarrafamentos no dia a dia se tornou um ponto positivo para o jovem engenheiro, que acredita que não aguentaria manter o pique se tivesse que lidar com esse problema.
O professor de administração da Universidade de Brasília (UnB) Jorge Pinho vê a movimentação do contrafluxo como algo muito positivo tanto para a região do Entorno quanto para o profissional. “Se o Entorno fosse industrializado, só teríamos vantagens. As fábricas têm como absorver mão de obra. A melhor distribuição de empregos traria imensas melhoras no trânsito”, defende. Além disso, existe a questão ecológica: como as vias entre Entorno e DF ficam praticamente desimpedidas para o fluxo contrário, existe a possibilidade de procurar transporte público e deixar o carro em casa.
Mais que uma questão de tempo dirigindo, trabalhar fora do DF foi, para o químico Douglas Ochoa, 24 anos, a realização de um sonho. Supervisor de produção em uma fábrica de produtos de limpeza em Luziânia (GO), ele nunca quis prestar concurso público e tinha como objetivo atuar na iniciativa privada. A solução foi trabalhar longe da cidade onde mora, Águas Claras. “Brasília não me ofereceu a oportunidade de estar no ramo que eu gostaria. Minha rotina é bem mais puxada, mas tenho um grande prazer em fazer meu trabalho”, explica. Como Douglas reside com a família e namora uma moça de Brasília, não tem planos de se mudar para um lugar mais perto da fábrica: “O aluguel do imóvel em Luziânia é muito alto, gasto metade do valor com gasolina. Vale mais a pena morar em Águas Claras e me deslocar para a cidade diariamente”.
Vendas e serviços
Segundo dados da Secretaria de Indústria, Comércio e Trabalho de Águas Lindas (GO), o ponto forte da movimentação financeira da cidade está no segmento de vendas e serviços, com a ressalva de que o setor de construção civil está crescendo a olhos vistos. De fato, a maioria das cidades do Entorno se sustenta com o comércio, e até nele os residentes do DF estão atuando. É o caso do subgerente da loja Fujioka de Águas Lindas, Luiz Araújo, 25 anos. Morador de Samambaia, foi vendedor em diferentes cidades do DF e, quando ocupava uma vaga em Ceilândia, foi promovido e decidiu tomar o posto atual em Goiás.
Para Luiz, a proposta foi diferente de tudo que ele esperava. Ainda assim, resolveu aceitar a empreitada. “Vim pelo desafio, que era enorme. Mas a vida é feita disso. O público da cidade é diferente, é muito gostoso trabalhar aqui”, alegra-se. O comércio aquecido e o povo acolhedor o motivam a trabalhar com energia, mesmo tendo que gastar cerca de uma hora e 40 minutos de ônibus para chegar até o trabalho: Luiz precisa ir até outra zona administrativa do DF para então pegar a condução para Águas Lindas. “Vou de Samambaia a Ceilândia, trajeto que continua cheio, mas depois tem essa facilidade de o trânsito ser supertranquilo até Goiás”, explica. Ele não quer mudar de cidade, porque sua família mora no DF e as mudanças de loja são constantes. No ônibus, Luiz percebeu que não é o único que optou por trabalhar no Entorno: fez amizade com colegas comerciários que têm a rotina parecida.
Cooperação
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Águas Lindas foi a cidade brasileira que mais cresceu em 2010. Isso explica a quantidade de construções e o aumento da movimentação no comércio. Mas nem sempre foi assim, segundo o chefe de gabinete da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), Henrique Oliveira. “O Entorno passou muitos anos esquecido pelo estado de Goiás e pelo DF. Agora, as autoridades finalmente estão mais atentas ao problema do crescimento desordenado dessa região. Eu a vejo como um grande diamante a ser lapidado. Os habitantes são capazes, mas não têm formação”, considera. Para Oliveira é importante desenvolver polos industriais na rede, e todas as profissões são propícias a crescerem por lá. “Não tem como pensar no desenvolvimento do DF sem considerar o Entorno”, argumenta.
O representante da Sudeco admite, no entanto, que a questão levará anos para ser resolvida por se tratar de um problema cultural. Ele lembra ser necessário melhoras que vão além dos temas infraestrutura, transportes e formação profissional e pondera: é preciso promover mudanças para que o Entorno não dependa de Brasília e das zonas administrativas. “É fundamental procurar uma cooperação entre todas as cidades da região para elas se desenvolverem em conjunto. O DF cresceu porque essas pessoas trabalham aqui. E o contrário também vem ocorrendo, é uma troca de parcerias. Esses profissionais que vão trabalhar no Entorno acabam agregando valor às cidades, aos negócios que nelas se instalam”, defende.