- Por Vânia Cristino/Correio Braziliense - O Brasil que enriquece não chegou à casa simples, de poucos cômodos, da chácara 92 do Recanto dos Buritis, Gama, distante cerca de 40 quilômetros do Palácio do Planalto.
Em uma área de dois hectares, vê-se de tudo: galinhas e porcos soltos, plantações de milho, mandioca, abóbora e feijão, além de um pequeno pomar.
Mas nada ali é produzido para gerar renda. Tudo vai para o consumo do casal Júlia Miranda de Souza, 58 anos, e Osvaldo Martins de Souza, 62. O ofício da enxada sempre foi a forma de sustento dos dois baianos de Santa Rita de Cássia. Hoje, na terceira idade, não conseguem mais forças para trabalhar e correm atrás da aposentadoria.
Os benefícios que tanto pleiteiam seriam mais do que justo se, ao longo dos últimos anos, tivessem contribuído com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Mas não foi assim. Júlia recorreu à Justiça e conseguiu garantir um salário mínimo por mês. O marido ainda briga nos tribunais para ter o mesmo direito. Casos como o deles custam caro ao país e impõem uma fatura à Previdência que resulta em um rombo de quase R$ 50 bilhões por ano aos cofres públicos.
Apesar de reconhecer que a contribuição ao INSS é necessária, Júlia assegura que lhe faltou opção. “Praticamente, não temos renda. Vivemos do que produzimos. Nunca tivemos dinheiro para pagar imposto”, diz. Hoje, o salário mínimo recebido por ela é investido, sobretudo, na sua saúde. Antes da aposentadoria, os gastos com remédios e exames eram de responsabilidade dos três filhos — dois pedreiros e um policial militar, que também residem na pequena chácara.
Os herdeiros, por sinal, são motivo de preocupação de Osvaldo. Apesar dos conselhos do pai, nenhum deles vê necessidade de contribuir para ao INSS e, assim, garantir a aposentadoria sem traumas. “Eles já poderiam estar pagando como autônomos, mas não pensam no futuro”, lamenta.
Por lei, trabalhadores rurais com mais de 55 anos, no caso das mulheres, e de 60, se homens, são considerados segurados especiais e têm direito a benefícios do INSS mesmo não tendo contribuído ao sistema. Para requerer o direito, basta apresentar documentos que comprovem, ao menos, 15 anos de atividades no campo. O que funciona como justiça social aos olhos dos que trabalharam de sol a sol a vida toda — a pobreza entre os idosos praticamente zerou nos últimos 30 anos — resulta, contudo, numa bomba-relógio para o modelo brasileiro de previdência pública. Por uma simples razão: o frágil equilíbrio alcançado pelo sistema no meio urbano não vai durar muito, tamanha é a disposição do governo em criar mecanismos de proteção social com o dinheiro recolhido no contracheque dos que têm carteira de trabalho assinada.