- Do Estadão - Um palanque eletrônico de custo zero para o beneficiário, mas altamente oneroso para o contribuinte e danoso para a lisura do processo eleitoral É nisso que se transformará a TV Câmara, sustentada pelos contribuintes paulistanos, quando passar a transmitir também eventos externos dos nobres vereadores, além das atividades por eles normalmente exercidas no Palácio Anchieta, sede do Legislativo municipal.
Não é simples coincidência o fato de essa ampliação das funções da emissora de televisão da Câmara paulistana ocorrer em ano de eleição, na qual 52 dos 55 vereadores tentarão renovar seus mandatos.O primeiro a se beneficiar da ampliação das tarefas da TV Câmara foi o presidente da Casa, vereador José Police Neto. Dois eventos de que Police participou no fim de janeiro – um debate na Cinemateca Brasileira, na Vila Mariana, e uma caminhada pelo centro da cidade na véspera do aniversário da cidade – foram gravados pela TV Câmara. Durante a caminhada, além de dar entrevista à emissora, o presidente da Câmara foi aplaudido por ter organizado o evento.
Police Neto disse ao Estado (2/2) não ver problemas nesse tipo de cobertura pela TV Câmara. "As atividades do mandato não se resumem ao plenário", tentou justificar-se. "Eu não posso parar de trabalhar e de divulgar as ações legislativas por causa do período eleitoral." E acrescentou que os jornalistas que acompanham os trabalhos dos vereadores limitam sua cobertura aos eventos realizados no Palácio Anchieta.
Um membro da oposição ouvido pelo jornal observou que muitas atividades externas dos vereadores "têm pouco a ver com a atividade parlamentar". Já representantes de movimentos sociais que atuam na Câmara Municipal alertaram para o fato de que a gravação de eventos externos dá aos vereadores a oportunidade de aumentar sua exposição pública em ano eleitoral. O material gravado poderá ainda ser apresentado no site do vereador interessado. Para os candidatos à reeleição, é uma forma de propaganda gratuita – de graça para eles, ressalve-se, não para os contribuintes – à qual não terão acesso os demais candidatos.
A oposição critica ainda o fato de que alguns vereadores poderão ser beneficiados em detrimento de outros. "Quem comanda a estrutura (da TV Câmara)? Nós é que não somos", disse um vereador oposicionista.
A isso, o cidadão paulistano poderia acrescentar: e se fosse a oposição que comandasse a emissora, o que mudaria na essência?
Nada. Apenas seriam outros os beneficiários de uma medida que só se explica pelas vantagens eleitorais que os vereadores, ou uma parte deles, assegurarão para si mesmos, prejudicando os demais candidatos à custa do contribuinte.
A criação da TV Câmara, bem como de emissoras ligadas a outras Casas legislativas, decorre de uma lei aprovada em 1995, pela qual o Poder Legislativo tem direito a um canal de televisão gratuitamente.No caso da Câmara Municipal de São Paulo, o objetivo inicial era transmitir as sessões plenárias e promover debates sobre projetos de lei em tramitação e temas de interesse dos munícipes, como forma de aproximar os vereadores da população da cidade. Sua criação tinha também o objetivo de recuperar a imagem da Casa, desgastada pela baixa produtividade, denúncias contra vários de seus membros e seu alto custo.
Os vereadores paulistanos já dispõem de imensos benefícios pagos pela população, como verba de gabinete, possibilidade de contratação de 19 funcionários, acesso à rede de computadores e até assessoria jurídica quando necessário.
Na prática, a TV Câmara acabou por se transformar em mais um benefício, de natureza eleitoral, para os vereadores, pois lhes deu acesso a um meio gratuito de divulgarem suas atividades.
A Câmara Municipal precisa mostrar ao público o que faz para beneficiá-lo. Mas, no caso das coberturas de eventos externos pela TV Câmara, quem vai decidir o que é trabalho parlamentar e o que é ato puramente eleitoral? Serão, claro, os próprios interessados em se mostrar para o eleitor.