Coleção de 25.012 telefonemas capturados pela PF em 9 meses de investigação revela desenvoltura e laços de amizade de grupo denunciado sob acusação de se infiltrar no governo para vender pareceres técnicos.
- Por Fausto Macedo e Bruno Boghossian, de O Estado de S.Paulo - O universo de grampos da Operação Porto Seguro revela as relações de amizade e os bastidores das negociações conduzidas pela organização acusada de se infiltrar no governo federal para comprar pareceres técnicos.
É uma coleção de 25.012 telefonemas capturados pela Polícia Federal em nove meses de investigação que levou 24 suspeitos à Justiça, denunciados por formação de quadrilha, corrupção, tráfico de influência e falsidade ideológica.
As escutas da PF apontam conluios e troca de favores envolvendo autoridades, inclusive nomeações de parentes e apadrinhados. Os diálogos telefônicos também deixam transparecer relações próximas entre políticos, empresários e servidores públicos. Parceiros de negócios que estão na mira da investigação.
A partir deste sábado, 26, estão disponíveis no site
estadão.com.br áudios de diálogos da ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo,
Rosemary Noronha - que chegou ao cargo pelas mãos do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva -, do ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA),
Paulo Vieira, e do ex-senador
Gilberto Miranda. As conversas que sustentam o inquérito da PF indicam os passos do grupo nas entranhas do poder.
Até o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), foi gravado. A Polícia Federal o pegou indiretamente, porque monitorava Miranda naquele 1.º de novembro de 2012. Sarney ligou para o ex-senador.
Combinaram um jantar - à mesa, o vinho francês Château Haut Brion 1989, mais de 1.000 a garrafa. "Querido presidente, seja bem-vindo a São Paulo", saúda Miranda, a quem a PF atribui o papel de principal beneficiário da trama dos laudos forjados.
Tão frequentes eram os contatos entre Rose e Paulo que a PF juntou os diálogos em pastas e formou um dossiê. Uma ligação foi a 15 de maio. Rose diz a Paulo que vai entregar um documento de interesse dele ao ministro da Educação, Aloizio Mercadante.
Paulo é dono de uma faculdade em Cruzeiro (SP) que buscava recredenciamento no ministério.Os dois tratavam com frequência de assuntos do interesse da cúpula do PT. Em 29 de maio, às 12h25, a dupla conversa sobre a notícia de que Lula teria se reunido com Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), para pedir o adiamento do julgamento do mensalão.
"O presidente pode ter falado assim: ‘Olha, eu acho que se você... manter (sic) o julgamento agora em setembro, agosto... você vai prejudicar as eleições do PT’. O Lula pode falar isso", ela diz. Paulo sugere "parar o Brasil", que o PT faça protestos contra o julgamento, que bloqueie a Avenida Paulista e tome a Sé. "Tinha que fazer um protesto nacional pela transparência na Justiça", insiste Paulo. "Quantos processos tem no Supremo muito anteriores a esse que está lá parado já 20 anos, há 15 anos? Por que é que esse tem que furar a fila?". Rose diz que levará as sugestões a Lula.
Na Presidência.
Os grampos confirmam que Paulo dava expediente no escritório da Presidência em São Paulo até para fazer favores ao deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP). Em 4 de junho, às 16h50, o deputado liga para Paulo e diz que um amigo precisa "de um negócio seu". Valdemar diz que o amigo "precisa falar pessoalmente". "Eu vou atender ele lá no escritório da Presidência onde geralmente o pessoal do governo despacha", responde Paulo.
Dois dias antes do estouro da operação, às 23h31, Paulo diz a seu irmão Rubens, ex-diretor da Anac, que
Rose lhe pediu R$ 650 mil em dinheiro emprestados porque "comprou um apartamento novo em Higienópolis".
No dia da operação, em 23 de novembro, às 19h07, Miranda telefona para o então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), e diz que precisa avisá-lo sobre um tema de "repercussão nacional", relacionado a "más amizades". Kassab chama Miranda de "meu senador" e este o chama de "querido amigo".
Dezoito autoridades - governadores, prefeitos e ministros - foram flagradas em grampos ou citados pela quadrilha. O Congresso, a Procuradoria-Geral da República e o STF decidirão se essas pessoas serão investigadas.