Google perdeu recurso contra a decisão do juiz Sylvio Ribeiro de Souza Neto no caso do processo movido pela prefeita de Ribeirão Preto.
A decisão foi por unanimidade, inclusive com parecer favorável da Procuradoria Regional Eleitoral.
O advogado da prefeita ribeirão-pretana, Paulo Sá Elias, disse que ficou muito contente com a decisão, em especial por causa do Poder Judiciário Brasileiro "que precisa ser respeitado", em suas palavras.
HISTÓRICO DO CASO DE RIBEIRÃO PRETO
1. Durante a campanha eleitoral de 2012 – eleições municipais de Ribeirão Preto (SP), a então candidata à reeleição – Sra. Dárcy Vera, procurou o professor universitário e advogado especialista em Direito da Informática e Internet de Ribeirão Preto – Dr. Paulo Sá Elias – para defendê-la contra a divulgação de ofensas e crimes contra a sua honra que estavam sendo praticados em redes sociais e por meio de um blog na Internet.
2. O advogado aceitou defendê-la apenas nos casos em que o conteúdo divulgado fosse tecnicamente enquadrado como efetivo abuso do direito de liberdade de expressão e manifestação do pensamento. Em razão disso, uma ação judicial foi promovida contra o provedor de serviços e conteúdo Google, por conta da veiculação de um blog no serviço Blogspot, que veiculava propaganda eleitoral vedada com uma série de graves ofensas à então candidata.
3. A inicial foi distribuída em 11.09.2012 e ressaltava ser fato público e notório que o direito constitucional de crítica era plenamente oponível inclusive e especialmente aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral. Que o cidadão tinha direito de opinar, de reclamar e criticar. Que tal possibilidade constitucional garantia legitimidade ao direito de crítica mesmo diante de eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou de grande exposição (notórias) – ocupantes, ou não, de cargos oficiais, tais como um Prefeito Municipal, por exemplo.
4. Da mesma forma, ressaltava ser conhecido que as críticas, por mais duras e veementes que pudessem ser – desde que não ultrapassassem os limites daquilo que é considerado lícito, constitucionalmente assegurado – não ingressando no campo dos crimes contra a honra, desrespeitando o disposto no inc. X, do art. 5º, CF – entre outros, não seriam passíveis de responsabilidade por conta do caráter mordaz ou irônico, ou até mesmo em razão de seu rigor – mas, evidentemente, não era o caso do referido Blog, onde os responsáveis cometeram uma série de abusos, cometendo uma série de ilícitos.
5. Nesta fase inicial do processo, também foi destacado pela defesa da então candidata que o direito à crítica integra a essência do regime democrático e que a liberdade de expressão é um clássico direito constitucional, importantíssima conquista de povos civilizados. É considerado genuíno direito de personalidade e merecedor da máxima proteção jurídica. Neste conjunto, a liberdade de imprensa também foi referenciada como verdadeiro patrimônio conquistado pela sociedade brasileira, devendo ser cuidadosa e constantemente protegida. A regra pela liberdade é sinal de estágio avançado de civilização, de evolução político-cultural de um povo. A censura, ao contrário, além de repugnante é evidente sinal de involução, de movimento regressivo.
6. A defesa da então candidata ainda ressaltou que a sociedade brasileira, fundada em bases democráticas, não tolera (e não deve e não pode tolerar) qualquer repressão (especialmente estatal) ao livre pensamento e expressão, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima de uma liberdade pública. No entanto, os limites legais foram ultrapassados e a propaganda eleitoral vedada caracterizada, acompanhada de graves ofensas.
7. O Poder Judiciário entendeu que, de fato, como alegado pela defesa da então candidata, o conteúdo do blog ultrapassava os limites legais do que poderia ser considerado liberdade de expressão e também veiculava propaganda eleitoral vedada, determinando ao provedor de serviços e conteúdo de Internet – Google Brasil Ltda. – que removesse o conteúdo ilegal da Internet e também apresentasse os logs (trilhas de auditoria com o número IP, data e horário GMT) do responsável pela criação e atualização do mesmo, no sentido de se identificar as pessoas que haviam criado o referido blog.
8. No entanto, o jurídico do Google entendeu que o conteúdo veiculado não era ilícito e não obedeceu a ordem judicial de remoção, no entanto, informou os logs solicitados. Com base nessas informações, a defesa da então candidata conseguiu identificar os autores por meio do cruzamento das informações fornecidas pelo Google e também pelo provedor de acesso à Internet que foi utilizado (TIM Brasil).
9. O fato do Google desafiar a ordem judicial causou perplexidade, pois não é função do departamento jurídico do provedor entender se algo é ou não de acordo com a lei. Esta função no Brasil é reservada ao Poder Judiciário. Como o Poder Judiciário entendeu que tal conteúdo era realmente ilícito, confirmando a tese jurídica da defesa da então candidata, cabia ao Google obedecer a ordem judicial e remover o conteúdo – e os responsáveis pelo blog, recorrer da decisão caso entendessem de forma diversa.
10. Na mesma época o Google desobedeceu outras decisões judiciais semelhantes, mas não apenas no âmbito eleitoral. Pessoas comuns que foram vítimas de divulgação de conteúdo ilícito pela Internet por meio dos serviços do Google sofriam grande dificuldade na remoção de conteúdos. A questão se tornou um debate nacional e até mesmo internacional.
11. O Poder Judiciário Brasileiro estava sendo desafiado por uma empresa norte-americana. Uma afronta à soberania nacional estava novamente em curso. Em razão disso, o juiz eleitoral de Ribeirão Preto atendendo pedido da defesa da então candidata, fixou multa diária pelo descumprimento da ordem judicial em R$ 50.000,00 por dia, reduzindo o valor inicialmente requerido pela defesa de R$ 250.000,00 por dia, feito com base em decisão anteriormente proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (12.06.2008), em que o relator do processo, o Desembargador Ênio Santarelli Zuliani havia mencionado em seu julgamento que o Google lidava com a sentença judicial do Poder Judiciário Brasileiro de forma parcimoniosa e até desrespeitosa, agindo passivamente, como se não lhe coubesse alguma responsabilidade pelo impasse que colocava em cheque a eficácia da coisa julgada, mostrando claramente que sentenças são proferidas para serem cumpridas, e não cabe tergiversar sobre esse princípio, sob pena de comprometimento da credibilidade da instituição do Poder Judiciário, com reflexos desastrosos para a segurança jurídica, principalmente em tutelas mandamentais, nas quais há direta associação com o conceito de imperium, ou seja, da função do juiz em expedir ordens e fazê-las cumprir mediante as medidas necessárias para obtenção do resultado equivalente ao que seria obtido em caso de cumprimento voluntário.
12. Diante do descumprimento, o juiz de Ribeirão Preto determinou que fosse também dado início a responsabilização criminal do responsável legal pelo Google no Brasil, o executivo Edmundo Luiz Pinto Balthazar.
13. O comportamento do Google gerou uma série de manifestações da comunidade jurídica e repercussão na imprensa (vide abaixo).
14. A decisão do TRE-SP, confirma a sentença do juiz de Ribeirão Preto, condenando o Google ao pagamento de multa pelo descumprimento de ordem judicial.
Ao Jornal Washington Post, Google dá outra versão. Diz que cumpriu a ordem judicial
E por fim, agora em 2013, o TSE decidiu o caso da Paraína definitivamente, mas a decisão parece não ter tido a devida repercussão na imprensa, com pequenas notas. O TSE confirmou por unanimidade que o Google DESAFIOU o Poder Judiciário, não obedecendo ordens judiciais.
E mais recentemente, o MPF – Ministério Público Federal (Procuradoria Geral da República) também se manifestou sobre o descumprimento de ordens judiciais pelo Google:
18/4/2013
Em questão de ordem enviado ao STJ, Ministério Público Federal também pede multa de R$ 50 mil por dia de atraso no cumprimento da ordem judicial definida no Inquérito 784/DFA Google Brasil Internet Ltda. tem o prazo improrrogável de dez dias, sob pena de multa diária de R$ 50 mil por dia de atraso, para quebrar o sigilo das comunicações por e-mail de investigados pelo Inquérito 784/DF. Esse é o pedido do Ministério Público Federal em questão de ordem enviada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) porque a empresa ainda não cumpriu a ordem judicial para quebrar o sigilo telemático (e-mail).
A empresa argumenta que os dados em questão estão armazenados em território norte-americano, na empresa controladora Google Inc., estando sujeitos à legislação daquele país. A Google Brasil sustenta que os Estados Unidos considera ilícito a divulgação por pessoa ou entidade provedora de um serviço de comunicação eletrônica dos conteúdos de uma comunicação mantida em armazenamento eletrônico.
Em sua defesa, a Google Brasil ainda indica a via diplomática para a obtenção dessas informações, fazendo menção ao acordo de assistência judiciária em matéria penal em vigor entre Brasil e EUA (Decreto 3.810/2001).
Para o Ministério Público Federal, “em se tratando de ordem judicial, o que se espera de qualquer cidadão ou entidade formalmente constituída no país é o seu fiel cumprimento, sob pena de incursão no campo do ilícito, sujeitando seus agentes ou dirigentes à penalidades da lei”.
A peça destaca que nos autos em questão, a investigação em curso pode elucidar “seríssimos crimes, dentre eles, o de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, fraude à licitação, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa e tráfico de influência” e que há razoável expectativa de se obter importantes elementos de prova com a comunicação estabelecida por mensagens de e-mail entre os investigados.
O MPF explica que a sede-matriz (empresa controladora) em território americano se faz representar aqui pela Google Brasil e o que se pretende é a entrega de mensagens remetidas e recebidas por brasileiros em território brasileiros, envolvendo supostos crimes submetidos induvidosamente à jurisdição brasileira. “Nada tem a ver com terras alienígenas, a não ser pelo fato de, por questões estratégico-empresariais, estarem armazenados nos Estados Unidos”, argumenta a questão de ordem.
Ao comentar sobre a proposta de usar a via diplomática, o MPF destaca que “nesse cenário, é irrecusável que o fato de esses dados estarem armazenados em qualquer outra parte do mundo não os transformam em material de prova estrangeiro, a ensejar a necessidade de utilização de canais diplomáticos para transferência desse dados”. Segundo o documento, remeter o Poder Judiciário Brasileiro à via diplomática para obter os dados é afrontar a soberania nacional, sujeitando o Poder Estatal à inaceitável tentativa da empresa em questão de se sobrepor às leis pátrias, por meio de estratagemas de política empresarial.
“Cumpre observar que a mera transferência reservada – poder-se-ia dizer interna corporis – desses dados entre empresa controladora e controlada não constitui, em si, quebra do sigilo, o que só será feito quando efetivamente for entregue à autoridade judicial brasileira, aqui”, sustenta.
Ainda para o MPF, a simples transmissão de dados, resguardado seu conteúdo, entre as entidades pertencentes ao mesmo grupo empresarial, com a exclusiva finalidade de entrega à autoridade judiciária competente “não tem o condão de sequer arranhar a soberania do Estado estrangeiro”.
No pedido, o Ministério Público Federal também ressalta que a referida empresa foi constituída em conformidade com as leis brasileiras e, evidentemente, deve se submeter à legislação do Brasil, não podendo ser esquivar do cumprimento de requisição judicial invocando leis americanas, inaplicáveis ao caso. “Não se pode admitir que uma empresa se estabeleça no país, explore o lucrativo serviço de troca de mensagens por meio da internet – o que lhe é absolutamente lícito -, mas se esquive de cumprir as leis locais”, comenta.
Por fim, o MPF defende que não há como imputar aos dirigentes da empresa Google Brasil o crime de desobediência porque efetivamente dependem da colaboração de seus agentes na empresa sediada no exterior.
“A solução do impasse gerado pela renitência da empresa controladora passa pela imposição de medida coercitiva pecuniária pelo atraso no cumprimento da ordem judicial, a teor dos artigos 461, parágrafo 5º, 461-A, do Código de Processo Civil combinado com o artigo 3º do Código de Processo Penal”, conclui o MPF, pedindo que o STJ fixe o prazo improrrogável de dez dias para cumprimento da ordem de quebra de sigilo telemático, sob pena de multa diária no valor de R$ 50 mil por dia de atraso, contado do recebimento do ofício.