Mordaça
30 de jun. de 2011
Editorial do Diário da Região Pode alguém ser indiciado na polícia por uma prática que lhe é assegurada pela Constituição Federal? Ou então por cumprir uma obrigação profissional? O procurador da República Álvaro Stipp, de Rio Preto, acha que sim. Stipp mandou a Polícia Federal indiciar - ou seja, acusar de crime - o jornalista Allan de Abreu, do Diário, por publicar detalhes da Operação Tamburutaca, que investigou megaesquema de corrupção entre auditores fiscais, representantes de sindicatos e empresários.
No entendimento do procurador, o jornalista não poderia ter divulgado informações oriundas de escutas telefônicas feitas pela polícia na operação, já que estavam sob sigilo de Justiça. O motivo do indiciamento é tortuoso. Stipp apelou à lei 9.296/96, que trata de procedimentos utilizados em grampos telefônicos durante investigações criminais, para acusar o jornalista de crime. Diz o artigo 10, utilizado pelo procurador: “Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”. Ou seja, está claro que se trata de uma regra que deve ser observada por policiais, promotores e magistrados na condução dos processos judiciais ou investigações. Quer dizer, está claro para todos, menos para o procurador, que ameaça o repórter do Diário com pena de reclusão de dois a quatro anos.
Entidades que representam jornais e jornalistas se insurgiram contra tamanho desrespeito aos preceitos básicos da liberdade de imprensa. Para a Associação Nacional de Jornais (ANJ), “ o jornalista não pode ser punido ou considerado coautor se a informação chegou e ele a divulgou”.
Já o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, Luiz Flávio Borges D’Urso, afirmou que “o Estado Democrático de Direito tem na liberdade de imprensa um dos pilares de sustentação da própria democracia. Não se pode admitir a violação desse primado constitucional sob pena de trazer consequências ao exercício da cidadania”. Segundo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), “o comportamento dessas autoridades constitui grave agressão à liberdade de imprensa”. Ela ainda destaca que “a obrigação de manter e resguardar segredos de Justiça em procedimentos policiais ou judiciais é das autoridades que a decretaram, e não dos jornalistas ou da imprensa.
A obrigação dos jornalistas é com a divulgação de informações, e não com o seu ocultamento.” Não se tem notícia de que outros jornalistas no País já tenham sido indiciados por quebra de segredo de Justiça. Tal agressão à liberdade de imprensa seria até compreensível se vivêssemos em uma ditadura, mas é inaceitável em uma democracia.
O jornalista não pode ser penalizado por cumprir sua obrigação profissional de entregar à sociedade aquilo que chega ao seu conhecimento. Aliás, haveria crime se, ao ter acesso a gravações que incriminassem figurões, o jornalista - por medo ou conivência - escondesse tais informações. Levar as denúncias à luz é muito mais que uma opção editorial: é dever do jornalismo sério, imparcial e comprometido não com as autoridades, mas com a comunidade. Que a fúria persecutória contra alguém que apenas cumpre sua função profissional e social seja canalizada contra os peixinhos e peixões do megaesquema de corrupção na Delegacia Regional do Trabalho de Rio Preto. Nunca é demais lembrar que todos os envolvidos, até o momento, nadam livres, leves e soltos.
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