A Polícia Federal indiciou um jornalista de São José do Rio Preto (SP) sob suspeita de divulgar informações preservadas por segredo de Justiça.
- Por Raul Marques, do Diarioweb.com.br - Allan de Abreu, repórter do "Diário da Região", foi indiciado após publicar duas reportagens com dados obtidos por meio de escutas telefônicas feitas pela polícia na Operação Tamburutaca.
A operação investiga um esquema de corrupção de fiscais do Ministério do Trabalho suspeitos de exigir propina para livrar empresários de multas trabalhistas.
Segundo o repórter, no dia seguinte à primeira publicação, o procurador da República Álvaro Stipp o chamou e questionou quem havia passado as informações para o jornal. Abreu diz que se negou a revelar a fonte, apesar da insistência do procurador.
Após uma segunda reportagem, o procurador pediu abertura de inquérito para investigar o vazamento das informações e solicitou o indiciamento do jornalista.
O profissional foi indiciado pelo delegado José Eduardo Pereira de Paula por determinação do procurador da república Álvaro Stipp. A medida foi duramente criticada por associações brasileiras de jornalismo e especialistas em direito e classificada como tentativa de coibir o trabalho realizado pela imprensa.
Segundo a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), o procurador não pode pedir o indiciamento de ninguém. “Essa decisão cabe ao delegado. O procurador só determina a instauração do inquérito”, afirma o vice-presidente da ANPR, José Robalinho. Ele diz que a associação não pode analisar a postura de Stipp. “Cada procurador tem autonomia para tomar decisões a partir de seu entendimento da lei.” Allan de Abreu, por sua vez, afirma que o delegado deixou claro, durante a assinatura do indiciamento, que só estava cumprindo ordens.
“A Associação Nacional de Jornais (ANJ) lamenta e condena a iniciativa de buscar a criminalização do jornalista por usar o sigilo da fonte. Essa decisão fere um princípio constitucional e fundamental para a liberdade de imprensa e a democracia. É uma afronta contra a liberdade de imprensa”, afirma o diretor-executivo da instituição, Ricardo Pedreira. Segundo ele, o segredo de Justiça vale para os agentes de Estado envolvidos com a investigação. “O jornalista não pode ser punido ou considerado coautor se a informação chegou e ele a divulgou. A ANJ espera que essa decisão seja anulada.”
Abreu foi indiciado com base no artigo 10 da lei 9.296, de 1996. O texto diz que constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Em caso de condenação, a pena varia de 2 a 4 anos de prisão, e multa.
"Pegou de surpresa", disse Allan de Abreu: "Essa prática [de divulgar informações sob segredo de Justiça] eu já fiz antes em duas ocasiões e nunca aconteceu nada. E não lembro de ter acontecido com alguém. Jamais esperava isso, sobretudo de um procurador, a quem cabe zelar para liberdade de imprensa".
A primeira reportagem que continha o teor das escutas foi publicada em 1º de maio. No dia seguinte, Stipp chamou o repórter e questionou quem havia passado as informações para o jornal. Como não obteve resposta, mandou a PF instaurar inquérito. Só após a segunda reportagem, veiculada em 6 de maio, o procurador determinou o indiciamento.
“O sigilo da fonte é um preceito constitucional e não comporta flexibilidade, de modo que o jornalista - embora responsável pelo que publica - não pode sofrer restrição diante da negativa de informar sua fonte. O Estado Democrático de Direito tem na liberdade de imprensa um dos pilares de sustentação da própria democracia. Não se pode admitir a violação desse primado constitucional sob pena de trazer consequências ao exercício da cidadania”, afirma o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, Luiz Flávio Borges D’Urso.
Já o diretor-executivo da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, e o diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) Plínio Bortolotti também condenaram o indiciamento e afirmaram que a atitude significa clara tentativa de impedir o trabalho da imprensa.
ABI diz que ato é uma agressão A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) expressou, na tarde de ontem, seu protesto contra a decisão das autoridades policiais de Rio Preto e do representante local do Ministério Público Federal de pressionar o jornal para revelar a fonte das informações que foram publicadas sobre a investigação de irregularidades na Delegacia Regional do Trabalho. Segundo o presidente da ABI, Maurício Azêdo, “o comportamento dessas autoridades constitui grave agressão à liberdade de imprensa, disfarçada sob o eufemismo de que o Diário da Região vem publicando informações acerca de investigações que ocorreriam sob segredo de Justiça.”
A ABI informa ainda que essa alegação carece de fundamento constitucional. “A obrigação de manter e resguardar segredos de Justiça em procedimentos policiais ou judiciais é das autoridades que a decretaram, e não dos jornalistas ou da imprensa. A obrigação dos jornalistas é com a divulgação de informações, e não com o seu ocultamento.”