'Jornalismo tem de ser remunerado na internet'
Alexandre Rodrigues / RIO - O Estado de S. Paulo
ENTREVISTA
Luis Fernando Matos Jr., Advogado e sócio do escritório Matos & Associados
Lançada no fim de 2009 com 170 assinaturas após encontro do Conselho Europeu de Publishers (EPC) e da Associação Mundial de Jornais (WAN) na Alemanha, a Declaração de Hamburgo marcou a posição da indústria de informação pela proteção dos direitos autorais de textos jornalísticos na internet. No Brasil, foi subscrita pelo Estado, Folha de S. Paulo e O Globo e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) recomendou a adesão de seus 145 associados.
O alvo principal do documento são os chamados agregadores de conteúdo, sites de busca e indexadores que se valem do material que não produziram para atrair visitantes. Em entrevista ao Estado, o advogado Luis Fernando Matos Jr., especialista em propriedade intelectual, diz que a declaração vai além: sinaliza a definição da indústria de jornais de que, assim como no papel, a informação na internet tem custo e sua remuneração precisa ser garantida. "Não tem almoço grátis. Se queremos jornalismo de qualidade, de alguma forma isso tem de ser remunerado", diz o advogado, que conduz um debate sobre a declaração no 30º Congresso Internacional da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), no fim deste mês, em São Paulo.
A adesão de grandes grupos à Declaração de Hamburgo indica que a proteção dos direitos é o meio para a viabilidade econômica do jornalismo na internet?
Acredito que a mobilização de diversos operadores da mídia foi inspirada em outras indústrias que sofreram muito na última década e meia com a internet. Notadamente, a indústria fonográfica, que teve de se reinventar por conta das novas tecnologias. Ela se assemelha ao jornalismo por produzir conteúdo protegido pelo mesmo parâmetro da propriedade intelectual. A indústria do jornalismo está preocupadíssima com a consolidação da ideia de que o jornalismo na internet tem de ser gratuito. Os grupos questionam, a médio e longo prazo, a qualidade da informação. Não tem almoço grátis. Se queremos jornalismo de qualidade, de alguma forma isso tem de ser remunerado.
A principal motivação da declaração foi a divergência entre grupos de mídia e sites de busca. Os chamados agregadores de conteúdo realmente violam direito autoral ao indicar links ou reproduzir trechos de textos?
É inquestionável que a maneira como o jornalista materializa o fato em seu texto, a sua forma de expressão, é protegida pelos direitos autorais. É uma obra literária. A forma de descrever, interpretar ou analisar é fruto do espírito do jornalista. Por que não proteger? Se a legislação prevê essa proteção, o que autoriza esses serviços agregadores de notícia a usurpar um direito sem qualquer remuneração? Ao meu ver, a usurpação de um trecho de um texto jornalístico sem devida autorização é uma evidente violação.
A questão é o benefício comercial gerado pelo conteúdo para quem não o produziu?
Lógico. Esses sites vivem de visitas para vender espaço publicitário. Dizem ter um milhão de visitas por dia porque usam conteúdo dos outros. É barato, né? Um dos sites mais visitados é o YouTube, com um conteúdo enorme de direitos autorais dos outros. E quem tem de ficar tomando conta é o titular do direito, não o responsável pelo site. É uma completa inversão.
No começo da internet, a maior parte dos jornais ofereceu seus conteúdos livremente. Isso não estimulou os indexadores?
A internet aconteceu muito rapidamente e vários segmentos iniciaram negócios que se tornavam grandes sem se definir como ganhar dinheiro com aquilo. É o que está acontecendo agora nas mídias sociais.
Como diferenciar a reprodução de conteúdo com fins comerciais, como é o caso dos agregadores, daquela feita em blogs pessoais e redes sociais?
Esse é o próximo desafio das empresas jornalísticas. Hoje em dia, o furo jornalístico não está nem nos blogs. Está no Twitter, Facebook e outras redes sociais. Como isso vai se resolver? O tempo vai dizer.
Esse movimento de usuários produzindo ou reproduzindo informação não aumenta as dúvidas sobre a disposição das pessoas de pagar por algo que julgam abundante na rede?
A cobrança pelo conteúdo jornalístico de qualidade vai merecer remuneração. Todos esses fornecedores vão ter de cobrar. Quem quiser uma matéria elaborada, analítica, vai depender de uma geradora de conteúdo que seja remunerada.