Prefeito de cidade do Entorno terá que devolver dinheiro por ter 2 cargos
O atual prefeito de Santo Antônio do Descoberto terá de devolver cerca de R$ 200 mil aos cofres do município do Entorno porque, na época em que era vice, também recebia salário como servidor do governo do DF. Ainda cabe recurso da decisão judicial
Do Correio BrazilienseO prefeito de Santo Antônio do Descoberto (GO), David Leite da Silva (PR), foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Goiás, na ultima quinta-feira, por improbidade administrativa. A ação movida pelo Ministério Público do estado mostra que, no período de 2005 a 2008, quando exerceu o cargo de vice-prefeito da cidade, David também ocupava o cargo de fiscal de atividades urbanas na Secretaria de Governo do Distrito Federal. Baseada na Constituição Federal, a juíza Patrícia de Morais Velasco considerou a prática ilegal e condenou Leite a devolver aos cofres do município parte dos valores recebidos no período em questão. Para tanto, o político terá de arcar com multa no valor referente à metade da remuneração total recebida na época, considerada enriquecimento ilícito, e que deve somar algo próximo de R$ 400 mil.Apenas com a função de servidor do GDF, o atual prefeito acumulou, entre 2005 e 2008, R$ 286.182,05, levando-se em consideração as correções. Pela lotação no governo do DF, David recebia mensalmente R$ 6.459,23. Em relação ao mandato de vice-prefeito, o salário variou de R$ 5.724 a R$ 7.430 por mês. Com a condenação, David Leite também teve seus direitos políticos suspensos pelo prazo de oito anos e não poderá contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais. Durante o processo judicial, em sua defesa, o político argumentou que pediu o afastamento voluntário do cargo no GDF, “sempre que assumiu o mandato de prefeito em razão de férias ou licenças do titular”. A alegação, no entanto, não foi aceita pela juíza.ConcursoO político é servidor de carreira do GDF e foi aprovado em concurso público em 1994. A assessoria de comunicação do GDF não informou, até o fechamento desta edição, se David Leite se licenciou ou foi exonerado do cargo na Secretaria de Governo para exercer a função de prefeito de Santo Antônio do Descoberto em 2008. O GDF afirmou, no entanto, que, caso o desligamento ainda não tenha ocorrido, a Corregedoria vai abrir um processo disciplinar administrativo para investigar o caso. Apesar da condenação, David Leite deve permanecer no cargo de prefeito do município goiano. Segundo o advogado eleitoral Bruno Rangel, o político só pode ser cassado após a conclusão do processo em todas as instâncias judiciais. Ele ainda pode recorrer da decisão. “A Câmara de Vereadores pode entrar com um pedido de impeachment e cassar o mandato dele. Ou então, a Justiça pode pedir a cassação quando o processo tiver transitado em julgado”, explicou. Se ele perder o cargo, a menos de dois anos da próxima eleição, a Câmara realiza votação indireta para eleger o substituto. Por enquanto, Leite também está livre da Lei da Ficha Limpa, uma vez que a legislação trata apenas de políticos condenados em colegiado, ou seja, na segunda instância. Mas como a sentença do último dia 16 tira os direitos políticos do prefeito, ele não pode concorrer a novas eleições nos próximos oito anos.
HistóricoO envolvimento em condenações judiciais parece ser uma constante entre os políticos que assumem a prefeitura de Santo Antônio do Descoberto. David Leite comanda o município desde 2009, quando assumiu no lugar de Getúlio de Alencar (PMDB), eleito na votação do ano anterior. O peemedebista venceu com uma diferença de 437 votos, mas, acusado de improbidade administrativa e má conduta, foi barrado pela Justiça Eleitoral. O novo prefeito, agora também condenado, quase não disputou as eleições devido às acusações. Porém, como não havia nenhuma sentença contrária a ele, sua candidatura foi liberada, culminando com a tomada de posse na administração do município. CrescimentoSanto Antônio do Descoberto tem população estimada de 63.166 pessoas, segundo o censo deste ano — o número representa aumento de 21,7% em relação ao total de habitantes registrado em 2000. Localizado no Entorno do Distrito Federal, o município fica 45km distante de Brasília e 172km de Goiânia (GO).
O que diz a leiDe acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito do artigo 38 da Constituição Federal, “não pode o vice-prefeito acumular a remuneração decorrente de emprego em empresa pública estadual com a representação estabelecida para o exercício de mandato eletivo”. A exceção ocorre para a situação de vereador ao ser permitido “se servidor público, no exercício de mandato, perceber as vantagens de seu cargo, sem prejuízo de remuneração do cargo eletivo, quando houver compatibilidade de horários”. A compatibilidade deve ser comprovada, ou o benefício não é válido.
Deficit de R$ 700 milSanto Antônio do Descoberto vive em meio ao abandono. Apesar de a cidade goiana receber aproximadamente R$ 600 mil por mês do Fundo de Participação dos Municípios e de arrecadações da administração direta, desvios de verba e falta de investimento nas áreas essenciais causam prejuízos à comunidade. Segundo a Empresa de Saneamento de Goiás (Saneago), 75% de Santo Antônio conta com água tratada — percentual inferior à média estadual de 90% — e apenas 23,36% do esgoto conta com encanamento para despejo. Os bairros mais carentes, afastados do centro, não contam com asfalto, água nem iluminação pública. Além disso, a prefeitura recebe repasses direcionados à educação e saúde, mas afirma que o deficit dos cofres públicos da cidade chega a R$ 700 mil. Recentemente, o prefeito conseguiu R$ 22 milhões para a implantação de 500 casas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. Mas apenas uma parte foi usada até agora. A falta de infraestrutura gera violência. Moradores convivem com barulho de tiros durante a noite. O pequeno efetivo das polícias Civil e Militar responde pela segurança dos habitantes. Como as demais cidades do Entorno, Santo Antônio do Descoberto depende de Brasília na área da saúde. O único hospital público funciona em área residencial e tem estrutura de posto. A construção de uma unidade ampla está parada há 10 anos. Como o foco é o atendimento emergencial, qualquer caso mais grave é encaminhado para as instituições do DF.