- Do Blog do Alon - A Saída
Parece haver apenas um consenso na crise egípcia. Ninguém tem certeza absoluta do poder que vai emergir para restaurar a autoridade do Estado.
A Casa Branca parece apostar num processo controlado de renovação democrática no mundo árabe. Os documentos e informações vazados da diplomacia americana exibem forte ativismo nesse sentido.
O nacionalismo e a reforma árabes no século 20 eram impulsionados por vetores socialistas, terceiro-mundistas e militares. Os dois primeiros esmaeceram.
Há um certo temor (para outros é esperança) de que a revolta árabe derive para regimes islâmicos de viés opressivo e beligerante.
Pode acontecer, desde que os vetores democratizantes não se mostrem capazes de oferecer uma reorganização social baseada no bem-estar e na segurança.
Há porém outra variável. Mantido um mínimo de ordenamento democrático, o partidarismo islâmico talvez precise enquadrar-se em algum grau. Foi o que aconteceu estes dias no Líbano.
Mas é debate em boa medida vazio de conteúdo. Quando um regime político apodrece, é porque as dúvidas e os medos diante do futuro perderam importância relativa.
Ganha que tem mais força e capacidade de oferecer uma alternativa hegemônica.
No Egito, pela história e pelo momento, quem está na posição-chave são as Forças Armadas e não o Islã.
Ainda que Hosni Mubarak venha da dinastia militar, herdeira da revolução antimonárquica e nacionalista de meados do século passado. É sucessor de Gamal Nasser e Anuar Sadat.
Os grandes movimentos reformistas no mundo árabe moderno sempre dependeram do catalisador militar. Se for diferente desta vez, será uma surpresa.
No vídeo, da Al Jahzeera, manifestantes egípicios pressionam e atropelam os policiais que defendiam uma ponte na cidade.
Difícil ExecuçãoO Brasil tem as melhores condições para promover os direitos humanos em escala global. Mas se não estiver acoplada ao princípio da não ingerência a coisa acaba assumindo ares de armadilha.Uma política de protagonismo global dos direitos humanos é simples de formular, mas executar não é trivial. Dilma Rousseff tem afirmado que o tema vai ganhar relevância na política externa brasileira, mas a vida prática começa a atropelar o cronograma de implantação.Se o critério for o respeito aos direitos humanos, não haverá muita dúvida de que posição tomar na crise egípcia. Contra o governo e a favor dos movimentos que pedem a derrubada do regime. Assim seria também se a confusão estivesse acontecendo na Arábia Saudita, na Síria ou alguma das demais nações árabes com reconhecido déficit no respeito aos direitos humanos. Ou no Irã. Ou em Cuba.
A timidez é a marca da posição do Planalto e do Itamaraty estes dias. Mais tímidos até do que a Casa Branca e o Departamento de Estado, que pelo menos se apressaram a pedir uma "transição controlada". O Brasil atrasou-se.Por um motivo singelo: não é prudente colocar todas as fichas numa única casa do pano verde enquanto a roleta ainda gira.É a realpolitik. As relações econômicas do Brasil com o mundo árabe vão de vento em popa e a posição mais pragmática pede sensatez, para esperar a definição de quem vai acabar controlando o manche da revolução na terra dos faraós. A típica situação em que tentar não errar talvez valha mais do que buscar acertar antes dos outros.
Os Estados Unidos querem no Egito evitar o surgimento de uma potência regional inimiga. E as realidades da vida acabaram mostrando que só engrossar a onda talvez não seja o mais adequado, diante da hipótese de ascensão política do radicalismo na maior nação árabe.Os americanos têm cacife para pelo menos tentar interferir, por serem um íntimo aliado da nação egípcia nas últimas décadas. Especialmente no terreno militar.
Por justiça, é o caso de notar que a cautelosa posição americana tem amplo respaldo no mundo árabe, ou pelo menos nas cúpulas. E atende também, pelo visto, às aspirações brasileiras. Para o Brasil, mais importante agora é sustentar uma paz e um equilíbrio político regionais que não esgarcem os elos econômicos.Pelo menos é o que parece.
Sim, mas e os direitos humanos? No momento, talvez seja o caso de, discretamente, relativizar. O Brasil pode fazer essa operação a um custo político algo baixo, já que ninguém está prestando muita atenção à nossa atitude.Ainda que, por azar, uma nova cúpula entre os países árabes e sul-americanos venha agendada bem nestes dias. Mas nada que diplomacia competente não possa contornar. Basta recorrer à ferramenta tradicional de só expressar os consensos.Os americanos não têm essa sorte. Precisam a toda hora dizer o que acham, quem apoiam. Tomar posição. É dura a vida da superpotência.
Os sinais exteriores fazem crer que Dilma busca um ajuste fino no alinhamento brasileiro no Oriente Médio, posição que nos anos recentes andou se afastando do saudável e tradicional centrismo. Metemo-nos um pouco demais em assuntos que não nos dizem respeito diretamente.Talvez porque a diplomacia brasileira tenha abordado a realidade ali com os parâmetros do senso comum, e concluído que o custo-benefício de se meter seria razoável.
Justiça seja feita, o Brasil errou em excelente companhia quando adotou a centralidade absoluta do tema Israel-Palestina e subestimou o potencial explosivo do déficit de democracia, prosperidade e justiça social nas maiores nações árabes.Como toda crise é também uma oportunidade, talvez seja o caso de aproveitar a aprender (mais) uma lição com os chineses. Inteligente é fazer negócios com todo mundo e guiar a política externa pelo velho e eficaz princípio da não ingerência. A não ser, naturalmente, quando a autodeterminação alheia pode afetar a nossa mais do que seria suportável.
O Brasil tem as melhores condições para promover os direitos humanos em escala global. Mas se não estiver acoplada ao princípio da não ingerência a coisa acaba assumindo ares de armadilha. O risco é ser forçado a defender os direitos humanos em uns casos e não em outros, com a decorrente desmoralização.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça (01) no Correio Braziliense.twitter.com/AlonFeyoutube.com/blogdoalon