- Do Correio Braziliense - As quase mil páginas do processo licitatório nº 15/2011, cancelado pelo Ministério da Educação (MEC) na última quinta-feira depois de denúncias, revelam como era fácil para o empresário André Luis Sousa Silva driblar a legislação e assinar contratos com o poder público.
Atestados falsos, documentos iguais e a conivência de funcionários da administração pública ajudaram a montar o esquema que pretendia lucrar mais de R$ 30 milhões dos cofres públicos.Mesmo depois das suspeitas de irregularidades na contratação das empresas de fachada, a Diretoria de Gestão e Planejamento do
Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), comandada por
Dênio Menezes da Silva, emitiu documento atestando que “o certame licitatório foi realizado em perfeita conformidade com os princípios legais e ordenamento jurídico que norteiam as contratações realizadas pela administração pública”. O ofício de 3 de novembro foi assinado também por Carlos Augusto dos Santos Almeida, coordenador de aquisições, e Luiz Augusto Lucinda.
Por ordem do secretário-executivo do
Ministério da Educação, Henrique Paim, o processo seguiu na última quinta-feira para a auditoria interna do Inep. Ao mesmo tempo, a pasta determinou o cancelamento do registro de preços e aguarda o resultado da investigação para remeter o caso, se necessário, aos órgãos de controle interno, como a
Controladoria-Geral da União (CGU), e externo, no caso o
Tribunal de Contas da União (TCU).
Sem fluxo de caixa e nenhum cliente, a Monal Informática, registrada em nome de Aristides da Silva Monteiro, de 84 anos, apresentou um atestado de capacidade técnica falso. A empresa de tecnologia alega que nunca emitiu tal certidão e que a assinatura que consta no documento não é do proprietário e que a Monal nunca prestou esse serviço. Segundo os responsáveis pela licitação no Inep, os atestados exigidos no edital não foram checados e nem mesmo diligenciados.
Em 15 de agosto, o pregoeiro pediu que a Diretoria de Tecnologia e Disseminação de Informações Educacionais — onde trabalhava Paulo Henrique Castanheira, amigo de André — confirmasse se as propostas e a documentação técnica apresentada pelas vencedoras do pregão atendiam a pedido da diretoria. Um dia depois, a diretoria de Tecnologia do Inep, Andrea de Miranda Ramos Kern, confirmou a validade dos papéis.
No caso da
DNA Informática, os atestados de capacidade técnica apresentados eram assinados pelo próprio Inep. Luiz Augusto Lucinda, coordenador-geral de Recursos Logísticos, garantiu que não existia nada que desabonasse a empresa registrada em nome da mãe e da avó de André Luis. A DNA contava ainda com o apoio de um sócio oculto que trabalhava como consultor de informática dentro do Inep, Paulo Henrique Campos Castanheira.
Tanto a DNA quanto a Monal participaram da pesquisa de preços anterior feita pelo Inep antes do pregão. Em uma das propostas, assinada por André Luis, ele usa o sobrenome da mulher, Alecrim, e assina como diretor-executivo da empresa registrada em nome da sua mãe e da avó. “Com sede em Brasília, a DNA conta com uma equipe de profissionais e parceiros altamente capacitados para atender às necessidades dos clientes em todas as regiões do país”, afirma a proposta.
André Luis, “dono oculto” das três empresas vencedoras — Monal, Jeta e DNA —, até tentou esconder a sua identidade, mas apresentou declarações idênticas de que não emprega funcionários com menos de 18 anos. Até mesmo a ressalva de que haveria “menor trabalhando como aprendiz” e a pontuação dos textos são iguais. A reportagem visitou as empresas e não encontrou aprendiz em nenhuma delas.
Os documentos da Monal, assinados por Aristides, mudaram até de padrão durante o processo de licitação. O primeiro ofício trazia um computador desenhado no canto esquerdo do papel. O segundo apenas um círculo.
Rastro
O advogado de André,
Expedito Júnior, sustenta que seu cliente não tem qualquer relação com a Jeta, empresa registrada em nome de músicos sertanejos. Porém, o registro do Sicaf da empresa que foi incluído no processo de licitação teve Karolina Silva Lima, secretária e futura sócia de André na Monal Informática, como emissora. As propostas da Jeta também trazem assinaturas completamente diferentes. Ora o representante legal assina como José Franscico, ora como
Chico Terra. Os contatos do sertanejo estão escritos a lápis na proposta. Apesar de já ter assinado um contrato de R$ 135 mil e prestado o serviço ao Inep, a empresa ainda não apresentou uma das garantias contratuais, exigidas em lei. De acordo com o Inep, o documento estaria sendo providenciado.
A reportagem procurou todos os envolvidos no esquema, mas não os localizou. Todas as instituições que atestaram a capacidade técnica das empresas que prestaram serviços para o Inep foram procuradas pelo Correio desde a quarta-feira. A única que respondeu foi a
Barracuda Networks, que confirmou que a Jeta é autorizada a revender seus produtos.
A
F5 Networks Inc.e a
Check Point Software Technologies não retornaram as ligações e os e-mails. A
BMC Software do Brasil Ltda. respondeu o e-mail afirmando que “irá cooperar integralmente com qualquer investigação conduzida pelas autoridades”, mas não confirmou se o documento apresentado é verdadeiro ou não.
Já a
PS5 Soluções para Internet, para quem a
Monal Informática Ltda. teria prestado o serviço de tecnologia de balanceamento de carga, se negou a confirmar a informação.
E
Cildemac Marques, dono da
Uniwares Sistemas de Segurança da Informação, que teria sido cliente da Jeta, não quis nem saber do que se tratava.
R$ 42,6 milhõesValor do pregão, suspenso pelo Ministério da Educação na última quinta-feira, destinado à compra de produtos e instalação de sistemas de proteção da rede do Inep