- Por Por Renato Lima/Opinião e Notícia - Paloccis e Pimentéis mostram preocupante faceta do capitalismo tupiniquim antiliberal: a enorme rede de laços entre grandes grupos privados e o Estado
O ex-ministro Antônio Palocci e o atual ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel têm mais coisas em comum do que serem petistas de carteirinha. A confiar na palavra dos dois, são também gênios da administração de empresas, contratados a peso de ouro por empresários desejosos de ouvi-los sobre estratégias de negócio. Mas esses políticos receberam milhões para compartilhar conhecimento empresarial – um saber insuspeito de possuírem até então – ou para criar laços com o governo federal e abrir certas portas?
É inevitável a suspeita de que Palocci e Pimentel foram contratados para fazer tráfico de influência. Mas mesmo a alternativa legal, da legítima prestação de consultorias, mostra uma preocupante faceta do capitalismo brasileiro: a enorme rede de laços entre grandes grupos privados estabelecidos e o Estado. A passagem pelo governo e a influência no partido que está no poder criam um conhecimento de com quem falar para resolver problemas, quais os caminhos a serem usados para influenciar decisões de caráter regulatório ou de investimento.
Alguns acreditam que as privatizações dos anos 90 e a criação de agências reguladoras diminuíram o poder do estado no controle da economia. O suposto “Consenso de Washington” teria substituído o planejamento estatal pela mão invisível do mercado em vários países, inclusive o Brasil. A América Latina teria entrado na era neoliberal, em que o estado estaria impotente diante das forças do mercado. Essa visão é bastante popular no debate político e em obras opinativas. Só que não resiste a uma análise séria dos dados.
A América Latina não se transformou numa utopia liberal nos anos 90, como pode ser observado – entre outros trabalhos – no livro do professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) Sebastian Edwards “Left Behind: Latin America and the false promise of populism” (2010), que analisa a timidez ou ausência de reformas de mercado no continente enquanto o mundo acelerava as mudanças.
E o Brasil, ao contrário de ter um mercado privado mais forte e menos dependente do estado, teve sim foi um aumento da presença do seu Leviatã, como mostra Sérgio Lazzarini em “Capitalismo de Laços: Os Donos do Brasil e suas conexões” (2011). Essa é uma obra importante para entender o sucesso de consultores como Pallocci e Pimentel.
Lazzarini utiliza a metodologia da análise de redes – que está se popularizando em ciências sociais, mas ainda é pouco comum no Brasil – para avaliar as mudanças econômicas do país. O pesquisador investiga as conexões (“laços”) no controle societário e dos conselhos de administração das empresas.
Diferentes empresas estão ligadas por meio de sócios comuns – e, dos mais frequentes e influentes estão o governo federal e fundos de pensão de empresas públicas. Dessa forma, muitas empresas nominalmente privatizadas ainda são comandadas pelo governo.
Capitalismo de laçosVejamos o exemplo do Grupo Neoenergia, de distribuição elétrica. O grupo espanhol Iberdrola tem 39% do seu capital, mas a posição majoritária está com a Previ (49,01%) e o Banco do Brasil (11,99%). A própria Previ tem participação acionária em mais de 50 grandes empresas, como a Embraer e a Vale. A mão forte do governo se fez sentir na Vale com a pressão para a troca do CEO Roger Agnelli – mesmo, nesse caso, não tendo a maioria do capital. O executivo foi substituído para evitar retaliações à Vale (como aumento exagerado dos tributos na discussão de um novo Código Mineral) ou a outras empresas dos quais os sócios se relacionam com o BNDES e Previ.
Na estrutura empresarial brasileira, é suicídio bater de frente com o BNDES e os fundos de pensão. Segundo o estudo de Lazzarini, entre 1996 a 2009, os fundos de pensão se tornaram quase 1000 vezes mais conectados em empresas do que a média entre os investidores (incluindo indivíduos, famílias, investidores institucionais e estrangeiros).
E o BNDES é a grande fonte de empréstimo subsidiado para grandes empresas. É o melhor banco do mundo, como exultou o neobilionário Eike Batista, grande cultivador de laços com os governos do Rio de Janeiro e federal.
Como explica Lazzarini, o capitalismo de laços é um “modelo assentado no uso de relações para explorar oportunidades de mercado ou para influenciar determinadas decisões de interesse”. Esse sistema pode existir apenas entre atores privados (afinal, é mais fácil fazer negócios com quem já temos relações do que com desconhecidos) bem como com o governo. Mas se, além disso, o governo controla discricionariamente formas de financiamento e regulações, é mais vantajoso ser o amigo favorito de quem tem esse poder do que investir no melhor plano de negócios, podemos concluir. Quando o que vale são as amizades, o mérito fica em segundo plano.
Escreve Lazzarini: “de um lado, os empresários podem enxergar nos laços com o governo uma forma de se capitalizar e se proteger de mudanças imprevistas; da mesma forma, o governo pode visualizar laços com o empresariado como uma forma de direcionar a atividade econômica”.
Essa é a realidade da não privatização no Brasil.
Empresas que antes estavam sobre o controle estatal passaram para mãos de grupos que estão entrelaçados com o Estado. Sim, são empresas hoje mais eficientes, mas não independentes. Sem falar no emaranhado de estatais como Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa, BNDES, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia, Serpro, Dataprev, Hemobrás, Correios, CBTU, EBC entre várias outras. Cada empresa dessa mantém relações com seus fornecedores.
Há não tanto tempo, Paulinho “Land Rover” Pereira ganhou um “mimo” de uma fornecedora da Petrobras interessada em manter boas relações (e contratos) com o governo.Enquanto contatos forem mais importantes que o mérito, como é no capitalismo tupiniquim antiliberal, Paloccis e Pimentéis serão astros do capitalismo e Paulinhos ganharão presentes. Falar de “privataria” pode vender livro e instigar a militância, mas o partido no poder não mexeu uma palha para oficialmente estatizar as empresas vendidas. Tais relações podem ser boas para quem ocupa o poder e para os empresários estabelecidos, mas não são do melhor interesse para consumidores e empresas entrantes.