- Por Nayara Fraga, do Baú Tecnológico/Estadão - O Baú Tecnológico teve de tirar bastante poeira para resgatar, lá do fundo, um cinquentão em perfeito estado de funcionamento. Quem são o pager, o StarTAC, o palmtop ou mesmo o Telejogo perto dele? O rádio de José Santana, um homem de 94 anos, é o maior guerreiro já exposto nesta coluna.
O rádio Semp 'Tapajós'.
O aparelho estava guardado no quartinho dos fundos da casa da filha Célia desde que ele foi para um asilo, há cinco anos. Ninguém mais havia tocado no equipamento. Foi Vanessa, de 25 anos, neta de Santana, quem descobriu que o rádio ainda funcionava. Há pouco mais de um mês, ela enviou fotos do aparelho a este blog (veja acima e abaixo). “Coloquei na tomada e ele simplesmente ligou”, conta.
A surpresa foi relativa, considerando o fato de que o rádio ainda funcionava quando o avô saiu de casa. O espanto veio mesmo na hora de identificar o dispositivo, visivelmente antigo. O nome da marca, Semp, era a única informação técnica à disposição, além das características físicas, como peso de cerca de 4 kg e dimensões (34 cm de largura por 19 cm de altura).
O ano em que o aparelho apareceu na casa dos Santana também era exigir demais. Célia se lembra vagamente desse dia. “Acho que eu tinha entre 8 e 10 anos de idade”, diz. Na memória ficou a imagem de um rádio em cima da cristaleira, na sala de jantar, cumprindo o papel do equipamento mais importante da casa. Com ele, Santana, que já foi vereador, acompanhava as notícias relacionadas a política, ouvia Barros de Alencar (radialista e cantor), a Voz do Brasil e as 7 músicas campeãs do dia, recorda Célia, com carinho.
Sem serventia atualmente, o aparelho ia ser dado a alguém. “Mas eu o segurei aqui, porque vou ficar com ele como herança e decorar minha casa quando me casar”, diz Vanessa. A neta conta que pretende colocá-lo em sua futura sala ou área de lazer, perto do forno à lenha.
Mas que rádio é esse que vai virar decoração? O Radar Tecnológico decidiu investigar. A primeira tentativa, naturalmente, foi com a Semp. Depois de cogitar a hipótese de algum engenheiro conceder entrevista, a companhia acabou confessando por meio de sua assessoria de imprensa, mais tarde, que não havia ninguém para falar do aparelho. A
Sociedade Eletromercantil Paulista (Semp) se fundiu com a Toshiba em 1977, dando origem à Semp Toshiba. Mais uma empresa sem detalhes preciso dos aparelhos que produziu no passado, a exemplo da Motorola, que não tinha porta-voz para falar sobre o pager do Leonardo, e da Palm/HP, que não nos deu dados sobre o Palm do Paulo.
A segunda tentativa foi com especialistas em rádio, como escritores e radialistas. Nenhum soube falar com precisão do aparelho. Alguns não tinham nem e-mail para que pudessem receber e analisar as fotos. Outra fonte encontrada na web, o autor do site Radio Antique, que parecia saber muito justamente do aparelho de Santana, já havia falecido.
Foi quando o Radar Tecnológico encontrou Michel Viani, um técnico em eletrônica e colecionador de rádios, de 43 anos, filho de pai apaixonado por rádios, que tinha e-mail e muita disposição para estudar as características do rádio.
Ao mesmo tempo em que Vanessa finalmente encontrava uma etiqueta que identificava o rádio como modelo AC 242, Viani descobria, analisando várias fotos do aparelho, que se trata de um rádio valvulado fabricado no fim dos anos 1950 ou início dos anos 1960.
É um rádio do tipo “cabeceira” — em gabinete de madeira moldada nas cores marfim e imbuia —, usado comumente em criados-mudos e em cristaleiras naquela época. Seu apelido era “Tapajós”, nome dado pela Semp ao aparelho, de acordo com o especialista. Era comum naquele tempo escolher nomes fantasia para rádios, como o “Passeport”, da Philips, e o “Satellit”, da alemã Grundig.
Equipado com faixas de ondas curtas, ele capta transmissões de rádios tão distantes quanto do Japão, segundo Viani. “Era a forma de contato que muitas pessoas estabeleciam com outras culturas.”
Uma das caracteríticas que chamou a atenção do técnico foi o botão da lateral, que não é original do aparelho. Trata-se do botão de um Transglobe B-471, uma linha de rádios portáteis da Philco que tem muitos fãs — a começar por Viani, autor de um site dedicado ao aparelho. A peça deve ter substituído um botão com defeito, aposta ele.
Parte interna do Semp AC 242 (Foto: site Radio Antique)
O especialista ainda explicou que o circuito do rádio tem 5 válvulas do tipo “miniwatt”, alto falante de 4 polegadas e um seletor de voltagem que permite o uso em redes de 90 volts, 115 volts, 125 volts, 200 volts e 220 volts.
O fato de o aparelho ainda funcionar, segundo Viani, tem a ver com os materiais resistentes usados na fabricação naquela época — além do cuidado da família Santana com o objeto. “Era um bem durável mesmo”, conta o técnico, que também integra o DX Clube do Brasil, um grupo de apaixonados por radioescuta. A indústria brasileira competia com os importados robustos que chegavam de países como Inglaterra e França, recorda Viani.
A evolução dessa história você já deve ter imaginado. Os equipamentos grandes perderam espaço para os pequenos e a lógica chinesa de produção em larga escala, com o uso de materiais de menor qualidade, predominou. E agora os produtos ficam obsoletos mais rapidamente.
Viani estima que o Semp de Santana tenha sido comprado por uma quantia equivalente hoje a cerca de R$ 1 mil — um pouco mais barato que o iPhone. A diferença é que o avô de Vanessa não teve a sensação, seis meses depois de comprar o rádio, que ele já estava velho.
O Baú Tecnológico é um espaço para você compartilhar a lembrança daquele eletrônico que você tanto amou (ou odiou). Tem até hoje um celular tijolão? Um rádio capelinha? Um Super Nintendo? Um Tamagotchi? Um Pense Bem? Compartilhe seu saudosismo com a gente. Se você tem alguma sugestão, envie e-mail para nayara.fraga@grupoestado.com.br. O Baú é publicado neste blog a cada 15 dias.http://blogs.estadao.com.br/radar-tecnologico/2012/08/09/o-resgate-do-radio-tapajos/