Durante anos a verba para a construção da cadeia já foi disponibilizada diversas vezes e acabou devolvida, por não ter sido usada
- Por Celina Côrtes, do Jornal do Brasil - Há sete anos, a cadeia pública de Pirenópolis, em Goiás, foi desativada para abrigar o Museu do Divino, mais um atrativo turístico para a cidade histórica, fundada entre 1727 e 1731 pelas riquezas da mineração de ouro. A Casa de Câmara e Cadeia, construída em 1919 como réplica do prédio original, de 1733, ganhou um destino mais nobre. Até hoje, a placa em frente ao imóvel permanece dúbia: refere-se à Casa da Câmara e Cadeia e, abaixo, ao Museu do Divino. Acontece que os presos de Pirenópolis – cidade a cerca de 2h da capital, Brasília - continuam sem ter para onde ir, depois que os municípios vizinhos, até então as únicas alternativas, passaram a se recusar a recebê-los. As autoridades locais empurram com a barriga a construção de uma nova cadeia e a cidade, com 23.065 habitantes, segundo censo de 2010, distribuídos em área de 2.227,793 km² e a uma altitude de 770 m, quase dobra em datas festivas, sem que os policiais tenham para onde levar os delinquentes.
Neste mesmo ano de 2005 em que a cadeia foi desativada, o então Governador do estado de Goiás,
Marconi Perillo, comprometeu-se a iniciar a construção de uma nova cadeia pública para a cidade. Perillo está em seu segundo mandato e a situação permanece exatamente a mesma. Pirenópolis, terra natal da primeira-dama,
Valéria Perillo, não dispõe de um espaço apropriado para abrigar e recuperar seus presos. O último município a se negar oficialmente a receber os presos de Pirenópolis foi Alexânia, após decurso do prazo do Termo de Compromisso e Responsabilidade de 04 de outubro de 2012, que expressou absoluto desinteresse em receber os presos de Pirenópolis e simplesmente não renovou o termo.
Nesta próxima segunda-feira (28), o secretário de Segurança de Goiás, Joaquim Mesquita, se reúne em Pirenópolis com representantes da Câmara dos Vereadores e do Conselho Comunitário de Segurança da cidade (Conseg) – órgão criado há dois anos que representa os moradores junto à secretaria. Procurado pelo Jornal do Brasil, o secretário antecipou boas perspectivas para o município:
“ A previsão é que as obras comecem ainda no primeiro semestre deste ano. A licitação e execução são de responsabilidade da Agência Goiana de Transportes e Obras Públicas (Agetop) e o edital deverá ser publicado nas próximas semanas. O projeto é de responsabilidade da Agência Goiana da Execução Penal (Agsep), que cuida do sistema prisional em Goiás. Prevê 70 vagas, ao custo estimado de R$ 1,5 milhão, recursos do Fundo de Reaparelhamento e Modernização do Judiciário (Fundesp).” Enquanto a situação permanecia a mesma, os presos definitivos de Pirenópolis passaram a ser acolhidos em
Aparecida de Goiânia, na Penitenciária Coronel Odenir Guimarães. A Comarca de
Goianésia, por sua vez, disponibilizou 10 vagas para os presos provisórios e definitivos da cidade histórica, para possíveis ocorrências decorrentes do
Festival Canto da Primavera, realizado em outubro de 2012 em Pirenópolis, que teve como destaques Milton Nascimento, Criolo e a Velha Guarda da Portela.
“Como o festival já aconteceu, perdemos as 10 vagas”, lamenta a
delegada de Polícia Civil de Pirenópolis, Geinia Maria Etherna. “Em 2005, tínhamos uma média de 60 presos que, desde então, passaram a ser distribuídos pelos municípios vizinhos.
Já chegamos ao absurdo, em 2011, de uma condenada por tráfico de drogas se apresentar e não tínhamos onde prendê-la. O juiz Sebastião José da Silva optou por mantê-la em prisão domiciliar”, completou Maria Etherna.
Segundo o juiz Sebastião José da Silva, da Justiça comum, hoje há 74 presos distribuídos pelos arredores. “A maioria está em
Aparecida de Goiânia, vizinha da capital, onde fica o presídio federal. Até agora estamos em expectativa, e o atual secretário de Segurança tem demonstrado interesse sobre este caso”, disse.
E não são poucas as atrações turísticas que dobram a população do município, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1989.
Além de feriados prolongados, réveillon e carnaval, outro atrativo importante são as tradicionais Cavalhadas de Pirenópolis, uma representação do embate equestre entre mouros e cristãos na Idade Média em defesa da Península Ibérica, que acontece em data móvel entre maio de junho. Este ano, se aparecer algum marginal a cena vai se repetir: não haverá para onde levá-lo.A Polícia Civil e Militar da cidade têm mandados de prisão provisória e definitiva para cumprir. E não há como fazê-los. Só no último réveillon, houve pelo menos dois assassinatos na cidade e os policiais não demonstraram o menor empenho em descobrir os responsáveis, por motivos óbvios.
Além da insegurança que tal situação gera entre os cidadãos de Pirenópolis, o cumprimento de pena em outros municípios inviabiliza as visitas e apoio dos familiares na recuperação dos presos, muitos deles sem condições financeiras para se deslocar do município.
Em geral, os presos de Pirenópolis são de média periculosidade e ao serem recolhidos definitivamente em Goiânia, passam a conviver com presos de alta periculosidade, o que propicia um ambiente de aprendizado e especialização para o crime e dificulta a reabilitação dos mesmos. Algo parecido com o que aconteceu com a mistura de presos políticos e comuns durante o período da ditadura militar (1964-1985). É patente, ainda, que a falta de um local para recolhimento de suspeitos deixa a cidade sem possibilidades de realizar ações mais efetivas de segurança, como blitzes ou batidas policiais.
A situação desmotiva os agentes públicos de segurança da cidade, muitas vezes desacatados por delinquentes que “pedem” para serem presos, sabendo que não isso não vai acontecer por falta de local adequado. As prisões que ainda ocorrem geram um deslocamento de mais de 100 km para serem efetivadas e precisam do acompanhamento presencial de policiais, o que deixa a cidade desguarnecida e ainda dificulta o trabalho para os que permanecem em Pirenópolis.
Dinheiro já foi devolvidoDurante todos estes anos a verba para a construção da cadeia já foi disponibilizada diversas vezes e acabou devolvida, por não ter sido usada.
O projeto já elaborado está em processo de licitação pela AGETOP sob o nº 200800036000290, desde 2008.
O terreno, por sua vez, deve ser doado pelo município, no entender das autoridades estaduais. O município alega ter feito uma desapropriação para instalar o Setor de Indústria da cidade. Neste mesmo local, seria doada uma parte do terreno para a construção da cadeia.
Também neste quesito, o secretário
Joaquim Mesquita adiantou ao Jornal do Brasil outras alternativas, caso a doação da prefeitura não se concretize:
“Há um terreno na saída para Goianésia (a cerca de 5 kms da cidade) e outro, que pertence à Agetop que poderão resolver o problema”, disse.
O (Conseg), que organizou um abaixo-assinado com mais de 300 moradores pedindo uma cadeia para o município, reuniu-se com o prefeito Nivaldo Melo no fim de 2012 e ouviu que a desapropriação está em andamento e o terreno já havia sido disponibilizado para o Estado, e só faltaria receber a doação do terreno em cartório.
No relato ouvido pelo Conseg do proprietário do terreno em questão, Toninho da Babilônia, a desapropriação teria sido contestada e nada seria cedido sem a decisão final do juiz. Toninho contou que foi procurado por um representante da prefeitura, Altamir Mendonça, interessado em comprar 10 alqueires de sua terra por R$ 400.000,00. O proprietário teria aceitado a proposta e ficou aguardando o pagamento, que não ocorreu e o negócio empacou.
Enquanto isso, Toninho da Babilônia ficou sabendo que a Secretaria Estadual da Indústria e Comércio iria repassar uma verba de R$ 600.000,00 para a Prefeitura desapropriar outra área sua, de 8 alqueires, para a construção do Parque Industrial da cidade. Neste mesmo terreno seria construída a cadeia.
Com esta informação, Toninho cancelou a venda anterior, já que a desapropriação para a secretaria de Indústria e Comércio renderia mais. Quando isto aconteceu, o prefeito teria remetido à Câmara Municipal a desapropriação, pelo município, de 24 alqueires por R$ 600.000,00. O Jornal do Brasil também procurou o prefeito Nivaldo Melo e até o fechamento desta reportagem não recebeu retorno.
Agora, espera-se que, ao contrário do governador, Marconi Perillo, o secretário Joaquim Mesquita cumpra o que vai prometer aos representantes de Pirenópolis nesta próxima segunda-feira e a cidade histórica volte a ter sua própria cadeia.
Atrações da cidade histórica
Nem só de eventos vive Pirenópolis, cidade que nasceu Nossa Senhora do Rosário Meia Ponte, por causa da ponte sobre o rio das Almas que atravessa o município bem perto da ex-cadeia, construída entre 1750 e 1760, e só substituída em 1946, com alicerces de pedra. Em 1890 a cidade mudou de nome graças às observações feitas pelo naturalista francês Auguste Saint Hilaire (1779-1853). Foi ele quem viu semelhanças entre os morros da região com os Pireneus, na Europa, e assim nasceu Pirenópolis. A natureza do cerrado certamente deve ter impressionado o botânico, com suas árvores retorcidas e flores endêmicas. Bem como a infinidade de cachoeiras por toda a parte.
Criada em 1727 ou 1731 – os historiadores divergem quanto à data - pelo minerador português Manoel Rodrigues Tomar, a cidade foi um importante centro urbano dos séculos XVIII e XIX, também pelo comércio, agricultura e produção de algodão. Permaneceu isolada grande parte do século XX e foi redescoberta em 1970, como uma importante atração turística para a capital. Hoje, além da falta de cadeia, um de seus problemas é a circulação de automóveis pelo centro histórico, que poderia ser proibida, como acontece em Paraty. Atualmente Pirenópolis é famosa pelo turismo e produção de quartzita, pedra que reveste as calçadas da cidade. Seu artesanato de prata, iniciado pelos hippies que chegaram nos anos 80, é outro atrativo.
O casario colonial, que floresceu graças à mineração do ouro, é recheado de belas igrejas, como a Matriz de nossa Senhora do Rosário, construída em 1728 e considerada a mais antiga construção religiosa de Goiás. Passou por várias reformas, ruiu em 1830 e foi reconstruída. Depois de totalmente restaurada, em 1998, foi totalmente destruída por um incêndio de causa desconhecida, em setembro de 2002.
O que não falta, portanto, são atrações a serem desvendadas pelos visitantes, que, assim como a população local, se sentirão bem mais seguros quando Pirenópolis voltar a ter a sua própria cadeia.