Grupo formado por 300 alunas pretende se preparar para Copa do Mundo
Empresário e professores voluntários ajudam a construir os cursos.
- Por Lucas Catta Prêta, do Globoesporte.com - Os eventos esportivos que o Brasil sediará a partir de 2013, com a Copa das Confederações, e a Copa do Mundo, em 2014, mexem com a cabeça de muitos brasileiros. E muitos têm buscado qualificação e oportunidade de negócios, fomentando o turismo interno.
Um grupo de 300 mulheres e travestis que são profissionais do sexo começa nesta segunda-feira (4) aulas de idiomas em Belo Horizonte.O esforço é para receber, sem problemas de comunicação, aqueles que visitarem a capital mineira, para acompanhar os três jogos na Copa das Confederações, em junho deste ano, e os seis na Copa do Mundo, em 2014. O leque será amplo: já estão programadas turmas de inglês, espanhol, francês e italiano.
O empresário Elias Tergilene e a presidente da Aspromig, Cida Vieira.
(Foto: Lucas Catta Prêta/Globoesporte.com).
Por trás desse projeto, a história de duas pessoas se misturou, na Rua Guaicurus, no Centro da cidade, tradicional ponto de atuação das prostitutas na capital mineira. Um empresário que saiu de uma das regiões mais pobres de Minas Gerais, o Vale do Mucuri, para ser diretor de uma rede de shoppings populares; e uma prostituta que viu na própria realidade e na das companheiras de trabalho a oportunidade para brigar pela causa, o que é feito hoje por meio da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig ).
‘Metade gay, metade prostituta’O empresário é Elias Tergilene, que garantiu ver oportunidades onde mais ninguém vê. Como ele mesmo diz, “faz do limão uma limonada”. Dono de um shopping popular em frente à Rua Guaicurus, afirmou que parte do movimento médio de 15 mil pessoas por dia vem da presença das prostitutas, seja em compras nas lojas, na praça de alimentação ou na academia do local.
"Vi que era o único que patrocinava isso. Falei que ia patrocinar por dez anos. E os executivos colocando o preconceito acima do lucro. Ninguém queria patrocinar." Elias Tergilene, empresário
O ex-camelô, que anda de smartphone e com roupas de marca, contou que viu no preconceito a oportunidade de “ficar milionário”.
"Patrocinamos o Dia da Prostituta e a Parada Gay. O que tem a Parada Gay com a sala de aula das prostitutas? Via aquela alegria, com todo mundo comendo, bebendo. Vi que era o único que patrocinava isso. Falei que ia patrocinar por dez anos. E os executivos colocando o preconceito acima do lucro. Ninguém queria patrocinar. Eu falo: uma metade é gay, a outra é prostituta. Não vou ser hipócrita, não. Abracei a causa porque vou ficar milionário. Vou ficar milionário com essa turma. Sou empresário e vou gerar empregos", acredita.
Já
Cida Vieira, presidente da Aprosmig, explicou que a demanda pelas aulas surgiu da vontade das próprias associadas. Isso porque, a entidade, antes de começar a organizar os cursos de idiomas, já planejava oferecer o ensino regular, pelo EJA, o Ensino de Jovens e Adultos. "Começou com o EJA. E isso, dos idiomas, veio com a Copa do Mundo. Já que tantos se profissionalizam, nós também vamos", disse.
Elias e Cida garantem, querem ir além. As salas de aulas serão construídas no shopping popular. Eles esperam que o espaço funcione como um espaço de cidadania. "Isso aqui é a porta de entrada para o mundo. Elas vão ter aulas de idiomas para seduzir melhor. Consequentemente, poderemos colocar tudo que elas precisarem. É um espaço de educação, formação e capacitação. É um espaço multiuso", explicou o empresário.
Projeto de como será a sala de aula de idiomas para travestis e prostitutas em Belo Horizonte
(Foto: Divulgação/Aspromig).
As instalações no shopping popular deverão ficar prontas até o fim de março. No local, serão construídas três salas de aulas regulares, com espaço para até 21 alunos, além de uma sala de audiovisual. Até que as obras fiquem prontas, as classes ficarão em um espaço improvisado na própria Aprosmig, na Rua Guaicurus, nos fundos de um estacionamento.
Cida, que ainda trabalha como prostituta, conta que, inicialmente, as aulas seriam apenas para as associadas. Porém, a notícia chegou também às travestis, “tradicionais concorrentes” das garotas de programa. No novo espaço, explicou, todas poderão “aprender a conviver”.
"Aqui, vamos unificar todo mundo, travestis e prostitutas. Elas chegaram pedindo pelas aulas, e não poderia negar isso", comentou.
‘Que posição você prefere’?Cida teve que recorrer a professores voluntários para as aulas. Conseguiu 11, que darão aulas de inglês, espanhol, francês e italiano. As turmas já estão montadas, e as aulas, programadas para começar nesta segunda-feira (4), com duração de 90 minutos semanais. O curso vai durar três semestres, até o começo da Copa de 2014.
"Se hoje estou aqui e posso ensinar, e lá no passado tive que me comunicar por mímica, elas também podem". Ariadna Lima, professora voluntária.
A reportagem acompanhou uma das reuniões dos professores, na sede da Aprosmig. Oito estavam presentes, todos animados. Foi definido que cada um dos voluntários poderá adotar a própria metodologia. Para incentivar os alunos, decidiram dividir o semestre como o de uma faculdade, com cem pontos distribuídos. Não haverá, no entanto, “bomba” ao fim de cada período, caso alguma pontuação não seja atingida.
Nas aulas, o que será ensinado será o essencial para comunicação e o “vocabulário técnico”. "O que elas querem são frases de efeito, o “chegar”, o “alô”, “quanto custa”, o vocabulário técnico, o básico da profissão deles. E vamos deixar para eles questionarem", conta Osmar Rezende, que dará aulas de francês.
Ariadna Lima é outra voluntária do projeto. Ela, que terá turmas de inglês e espanhol, contou que já conheceu de perto a realidade do mundo da prostituição, sem entrar em mais detalhes. Além disso, relembrou o tempo em que viveu nos Estados Unidos, com grandes dificuldades em aprender o inglês.
De volta ao Brasil, desde 2004, ela torce para que as prostitutas e travestis não passem pelos mesmos problemas. "Morei fora durante seis anos, nos Estados Unidos. Lá, tive que aprender o inglês. Sofri essa coisa do querer aprender, estar em um meio onde não conhecia nada. É desesperador. Tive que me comunicar por mímica, e fui a única brasileira na minha escola. Conheci esse mundo das meninas. Isso que motiva por fazer um trabalho voluntário. Se hoje estou aqui e posso ensinar, e lá no passado tive que me comunicar por mímica, elas também podem", contou.
Sobre o que planeja ensinar nas aulas, Ariadna acredita que não será preciso tratar o assunto “sexo” de forma vulgar, mas sim, como algo que é da realidade dos futuros alunos. "Elas procuram se capacitar apenas para não ser um objeto de prazer. Elas querem ir além disso. É a realidade delas. Você não precisa de uma aula só para isso. Dentro de uma atividade, você pode colocar de uma forma sutil. Temos que fugir do que é escrachado", encerrou.