O novo diálogo Brasil-EUA
- O Estado de S.Paulo - Editorial - É bem mais que simbólica a importância da visita do presidente Barack Obama ao Brasil. Seu encontro com a presidente Dilma Rousseff pode abrir uma nova etapa de entendimento político e de parceria econômica benéfica para os dois lados. Já é o recomeço de uma conversa construtiva, interrompida mais de uma vez nos últimos oito anos, quando a diplomacia brasileira trocou o senso prático por uma estratégia fantasiosa de inspiração terceiro-mundista e claramente antiamericana. A presidente Dilma Rousseff tem dado sinais de pragmatismo e de uma compreensão mais adulta dos interesses nacionais. Em contrapartida, o presidente americano exibe a disposição de elevar o nível da relação econômica bilateral. "É hora", afirmou, "de tratar o diálogo econômico com o Brasil tão seriamente quanto tratamos com a China e a Índia."
É uma declaração reveladora de como o governo dos EUA tem avaliado, nos últimos anos, o entendimento com os três grandes países emergentes. Bravatas não bastaram para fazer do Brasil um interlocutor tão digno de atenção quanto os outros dois. Produziram, provavelmente, o efeito oposto. Com Dilma, o governo americano de certa forma redescobre o Brasil.
O presidente Obama avançou tanto quanto poderia, no esforço inicial de reaproximação. Em seu discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, falou sobre o compromisso dos dois países com a democracia e mencionou as mudanças políticas, econômicas e sociais do Brasil a partir da redemocratização nos anos 80. A classe média é hoje a maior fração da sociedade brasileira, disse Obama, e as oportunidades se estendem aos moradores das favelas. Foi um discurso calculado para demonstrar não só boa vontade, mas também respeito e admiração a uma sociedade em transformação. Mas o pronunciamento indicou, também, uma percepção nova do País.
O esforço de aproximação já havia ficado claro no dia anterior, em Brasília. Segundo o comunicado conjunto, o presidente Obama apoiou uma expansão "limitada" do Conselho de Segurança da ONU e manifestou "apreço" à aspiração brasileira de ocupar nesse organismo um assento permanente. Ficou muito longe do apoio explícito à pretensão indiana. A palavra "apreço" não envolve compromisso, mas é positiva. Os negociadores americanos poderiam ter simplesmente se recusado a fazer qualquer referência ao assunto, mas a declaração aprovada mantém o assunto em aberto.
Mas a relação Brasil-EUA envolve questões práticas muito mais importantes para os brasileiros. A presidente Dilma Rousseff mencionou, em seu discurso de saudação ao visitante, a necessidade de um comércio mais aberto entre os dois países. Lembrou, além disso, a conveniência de uma ação conjunta para a renovação da ordem econômica e financeira mundial.
O comércio bilateral tem sido afetado, há muitos anos, por distorções provocadas pela política dos EUA. Essa política afeta as condições de concorrência tanto pelo uso de subsídios quanto pela imposição de barreiras contra a importação. Setores brasileiros com alto poder de competição têm sido prejudicados por essas práticas.
O Brasil tem recorrido à OMC, com sucesso, contra práticas americanas consideradas abusivas, mas o governo dos Estados Unidos se recusa a abandonar as políticas condenadas. Os subsídios ao algodão são um exemplo.
Essas questões são especialmente importantes, porque envolvem a conquista de mercados, a produção e o emprego. No Rio, o presidente Obama defendeu a eliminação das barreiras comerciais. Mas a boa vontade não basta. No Congresso americano há forte resistência a novos acordos de liberalização comercial. Quanto ao governo brasileiro, não poderia negociar sem o Mercosul um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, sem antes vencer a oposição da Argentina, mais propensa ao protecionismo.
Uma grande oportunidade foi perdida, quando os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner decidiram enterrar o projeto da Alca. Estados Unidos e vários países latino-americanos acabaram fechando acordos bilaterais. O erro brasileiro facilitou a conquista de espaços nos Estados Unidos e na América Latina pelos chineses e outros competidores igualmente pragmáticos.
Não há como recuperar as oportunidades perdidas. Mas pode-se voltar ao caminho do bom senso. Os dois lados deram o primeiro passo.