Mesmo sendo considerados culpados, PMs voltam às ruas e ganham patentes
Policiais militares de Goiás considerados culpados por tortura, assassinato e execução de um carroceiro no Novo Gama voltaram às ruas com novas patentes, após cumprirem pena em quartel da corporação.
- Do Correio Braziliense - Poucas investigações em que policiais militares goianos aparecem como réus são levadas à frente. Há cerca de 3 mil processos parados na Auditoria Militar de Goiás. Mais raras são as condenações. E, quando a Justiça considera os agentes de segurança culpados, eles conseguem voltar ao trabalho e são promovidos pela Polícia Militar após o cumprimento da pena.
O caso mais emblemático da ausência de punição da PM goiana aos seus integrantes condenados pela Justiça comum envolve quatro militares culpados pela morte do carroceiro José Roberto Correia Leite, o Bertinho. Ele foi torturado e assassinado após ser levado por uma equipe do serviço secreto da Polícia Militar, no Novo Gama (GO), em 1999 (leia Memória). Os PMs queriam arrancar de Bertinho informações sobre o paradeiro de um suposto criminoso, o qual o carroceiro não tinha intimidade. Após matarem a vítima, os militares esconderam o corpo. Os envolvidos na barbárie acabaram condenados a 17 anos de prisão. Mas cumpriram apenas um terço da pena, toda em um quartel da corporação, e voltaram à ativa com patentes maiores.
Em ação civil pública por improbidade administrativa, o Ministério Público de Goiás (MPGO) cobra a perda dos cargos dos quatro militares. Em maio do ano passado, o órgão voltou a pedir ao Tribunal de Justiça estadual a perda de postos e de patentes. O pedido continua sem resposta, e os PMs, trabalhando para o estado.O carroceiro Bertinho foi torturado e assassinado por policiais militares.
Grupo de extermínioO caso Bertinho, como ficou conhecido, foi o primeiro investigado em Goiás a pedido do MPGO, com a suspeita de envolvimento de um grupo de extermínio formado por policiais militares. Durante a apuração do assassinato do carroceiro, agentes civis identificaram 66 corpos de pessoas executadas nas mesmas condições.
O crime contra Bertinho, segundo o MPGO, teve a participação de sete PMs. Cinco foram levados a julgamento. Um júri popular condenou quatro por homicídio qualificado, tortura e ocultação de cadáver em fevereiro 2004. Outro acabou absolvido do assassinato, mas não escapou da acusação por tortura. Dois policiais aguardam julgamento.
O sargento Francisco Erinaldo da Silva Costa enfrenta o Tribunal do Júri de Goiânia na próxima quarta-feira. O destino dele deveria ser decidido no início de março, mas, atendendo a um pedido da defesa, o tribunal adiou o julgamento. Os advogados alegaram que as prisões de 19 PMs na Operação Sexto Mandamento, em fevereiro, poderiam influenciar negativamente o andamento do caso Bertinho.
Livres e premiadosO sargento Francisco Erinaldo é o único dos sete militares denunciados pela morte de Bertinho que não teve o processo transitado em julgado. Os outros foram condenados a 17 anos e seis meses de prisão, cumpriram menos de um terço da pena em um quartel de Goiânia (GO) e hoje gozam da liberdade com mais autoridade do que antes de cometerem os crimes.
Por tempo de serviço, todos foram promovidos. O comandante da operação responsável pela morte de Bertinho, capitão Laércio dos Santos, hoje é major. O primeiro-sargento Daniel da Silva Ribeiro, agora é segundo-tenente. Os terceiros-sargentos Francisco Erinaldo e Agnaldo Marinho Cunha são suboficiais. Os cabos Cleomar Guimarães de Oliveira e Vilmar da Silva ganharam a patente de sargento, e o soldado Carlos Henrique Urani foi promovido a cabo.
Um dos promotores responsáveis pelo caso Bertinho, Robertson Alves Mesquita lamenta as promoções. "A gente não tem nada contra a instituição PM, mas, sim, contra aqueles que cometem atrocidades por quererem se transformar em justiceiros, fascistas. Parece que o comando da PM não vê que eles são condenados. Além de permanecerem em seus quadros, ainda são premiados", afirma.
Mortes misteriosasO pedido de exclusão dos policiais, feito há um ano, partiu do então procurador-geral de Justiça de Goiás, Eduardo Abdon Moura. "Dúvida não há de que suas condutas não os recomendam a permanecer nas fileiras da respeitável corporação, sendo, pois, absolutamente necessárias as suas exclusões", dizia trecho do pedido encaminhado ao Tribunal de Justiça goiano.
Na época em que os acusados serviam no Novo Gama, pelo menos 15 pessoas morreram em circunstâncias misteriosas, mas, por falta de provas materiais e testemunhais, não foi possível associá-los a esses casos. A PM de Goiás sempre negou a existência de um esquadrão da morte no Entorno ou em outra região do estado. Mas, após a Operação Sexto Mandamento, o comando da corporação disse que não vai tolerar mortes não explicadas em supostos confrontos com bandidos.
Ivana Farina Navarrete participou, como promotora de Justiça, do julgamento de três dos sete PMs acusados de matar Bertinho, realizado em fevereiro de 2004. Foi a primeira vez no Brasil que policiais integrantes de grupo de extermínio foram levados a júri popular e condenados. Hoje, ela lamenta que a prática criminosa não tenha sido extinta. "É difícil ler reportagens sobre essa prática absurda. Mesmo com uma condenação exemplar aos envolvidos, não conseguimos acabar com isso", comenta.
"Os disparos foram direcionados ao rosto para desfigurá-lo."Trecho de denúncia do Ministério Público contra sete PMs acusados de torturar e executar José Roberto Correia Leite, o Bertinho.