O exercício da profissão de músico não está condicionado ao prévio registro ou à concessão de licença pela entidade de classe.
Esse foi entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal que, por unanimidade dos votos, desproveu o Recurso Extraordinário, de autoria do Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), em Santa Catarina.Atualmente, a Ordem dos Músicos do Brasil concede a carteira de músico mediante aprovação em provas escrita e prática e, lógico, pagar as taxas.
Por lei, a carteira é exigida para que o músico possa atuar. A Ordem dos Músicos foi criada por legislação de 1960 com a finalidade de “exercer, em todo o país, a seleção, a disciplina, a defesa da classe e a fiscalização do exercício da profissão do músico”. A lei é contestada em outra ação que tramita no Supremo.
Para a relatora do caso, ministra Ellen Gracie, para restringir a atuação dos músicos seria preciso identificar risco à sociedade.“A liberdade de exercício profissional é quase absoluta. Qualquer restrição só se justifica se tiver interesse público. Não há qualquer risco de dano social na música”, afirmou a ministra."A liberdade de exercício profissional — inciso XIII, do artigo 5º, da CF — é quase absoluta", ressaltou a ministra relatora Ellen Gracie ao negar provimento ao recurso. Segundo ela, qualquer restrição a esta liberdade "só se justifica se houver necessidade de proteção do interesse público, por exemplo, pelo mau exercício de atividades para as quais seja necessário um conhecimento específico altamente técnico ou, ainda, alguma habilidade já demonstrada, como é o caso dos condutores de veículos".
A ministra considerou que as restrições ao exercício de qualquer profissão ou atividade devem obedecer ao princípio da mínima intervenção, a qual deve ser baseada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Em relação ao caso concreto, Ellen Gracie avaliou que não há qualquer risco de dano social. "Não se trata de uma atividade como o exercício da profissão médica ou da profissão de engenheiro ou de advogado", disse."A música é uma arte em si, algo sublime, próximo da divindade, de modo que se tem talento para a música ou não se tem", completou a relatora. Na hipótese, a ministra entendeu que a liberdade de expressão se sobrepõe, como ocorreu no julgamento do RE 511.961, em que o tribunal afastou a exigência de registro e diploma para o exercício da profissão de jornalista.
O processo teve início com Mandado de Segurança apresentado contra ato da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), que exigiu dos autores da ação o registro na entidade de classe como condição para exercer a profissão.
O RE questionava acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, com base no artigo 5º, incisos IX e XIII, da Constituição Federal, entendeu que a atividade de músico não depende de registro ou licença e que a sua livre expressão não pode ser impedida por interesses do órgão de classe.
Para o TRF, o músico dispõe de meios próprios para pagar anuidades devidas, sem vincular sua cobrança à proibição do exercício da profissão. No recurso, a OMB sustentava afronta aos artigos 5º, incisos IX e XIII, e 170, parágrafo único, da CF, alegando que o exercício de qualquer profissão ou trabalho está condicionado pelas referidas normas constitucionais às qualificações específicas de cada profissão e que, no caso dos músicos, a Lei 3.857/60 (que regulamenta a atuação da Ordem dos Músicos) estabelece essas restrições.
Em novembro de 2009, o processo foi remetido ao Plenário pela 2ª Turma da Corte, ao considerar que o assunto guarda analogia com a questão do diploma para jornalista. Em decisão Plenária ocorrida no RE 511.961, em 17 de junho de 2009, os ministros julgaram inconstitucional a exigência de diploma de jornalista para o exercício profissional dessa categoria.
O voto da ministra Ellen Gracie, pelo desprovimento do RE, foi acompanhado integralmente pelos ministros da Corte. O ministro Ricardo Lewandowski lembrou que o artigo 215 da Constituição garante a todos os brasileiros o acesso aos bens da cultura "e as manifestações artísticas, inegavelmente, integram este universo". De acordo com ele, uma das características dos regimes totalitários é exatamente este, "o de se imiscuir na produção artística".
Nesse mesmo sentido, o ministro Celso de Mello afirmou que o excesso de regulamentação legislativa, muitas vezes, "denota de modo consciente ou não uma tendência totalitária no sentido de interferir no desempenho da atividade profissional". Conforme ele, "é evidente que não tem sentido, no caso da liberdade artística em relação à atividade musical, impor-se essa intervenção do Estado que se mostra tão restritiva".
Para o ministro Gilmar Mendes, a intervenção do Estado apenas pode ocorrer quando, de fato, se impuser algum tipo de tutela. "Não há risco para a sociedade que justifique a tutela ou a intervenção estatal", disse.
O ministro Ayres Britto ressaltou que no inciso IX do artigo 5º, a Constituição Federal deixa claro que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. "E, no caso da música, sem dúvida estamos diante de arte pura talvez da mais sublime de todas as artes", avaliou.
Segundo o ministro Marco Aurélio, a situação concreta está enquadrada no parágrafo único do artigo 170 da CF, que revela que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. "A Ordem dos Músicos foi criada por lei, mas a lei não previu a obrigatoriedade de filiação, nem o ônus para os musicistas", salientou.
Por sua vez, o ministro Cezar Peluso acentuou que só se justifica a intervenção do Estado para restringir ou condicionar o exercício de profissão quando haja algum risco à ordem pública ou a direitos individuais. Ele aproveitou a oportunidade para elogiar o juiz de primeiro grau Carlos Alberto da Costa Dias que proferiu a decisão em 14 de maio de 2001, "cuja decisão é um primor". "Esta é uma bela sentença", disse o ministro, ao comentar que o TRF confirmou a decisão em uma folha.
Ao final, ficou estabelecido que os ministros da Corte estão autorizados a decidir, monocraticamente, matérias idênticas com base nesse precedente.
- Com informações da Assessoria de Imprensa do STF -