- Do Correio Braziliense - Acusado de assassinar a ex-namorada há 24 anos, o gaúcho Marcelo Duarte Bauer buscou refúgio na Alemanha na tentativa de escapar da Justiça brasileira
Mas, agora, o Ministério Público germânico analisa a abertura de uma investigação sobre o crime imputado a ele e ocorrido em Brasília. Mais de 20 testemunhas estão intimadas a depor nesse novo processo.
Os promotores europeus pediram as provas levantadas por policiais brasilienses contra o suspeito nas últimas duas décadas. Por ter cidadania alemã, o que impede sua extradição, ele cumprirá pena no país europeu, caso seja condenado.
No Distrito Federal, Marcelo Bauer, hoje com 45 anos, é réu no processo do assassinato da estudante Thaís Muniz Mendonça.
Ela morreu aos 19 anos, com 19 facadas e um tiro na cabeça, após deixar a Universidade de Brasília (UnB), em 10 de julho de 1987. A polícia e o Ministério Público do DF convenceram a Justiça candanga a levar Bauer a júri popular pelo crime contra a ex-namorada. Mas ele nunca sequer prestou depoimento no Brasil.
Marcelo Baeur e Thaís Muniz Mendonça, na época em que namoravam
Bauer sumiu de Brasília justamente no dia do sequestro e da morte de Thaís. Policiais civis do DF o encontraram na Dinamarca, em 2001. Ele ficou preso por oito meses, para logo em seguida desaparecer novamente. Livre, conseguiu abrigo na Alemanha. Nem a tentativa de julgá-lo à revelia deu certo. Sua família constituiu advogado há um mês e meio e, no dia do julgamento, marcado para 9 de novembro, o defensor faltou alegando estar doente. O juiz remarcou nova sessão para 7 de fevereiro.
Por não haver um tratado internacional de cooperação entre o Brasil e a Alemanha na área penal, o Ministério Público de Flensburg, cidade alemã onde Marcelo Bauer mora desde 2002, acionou o Ministério da Justiça do Brasil recorrendo ao que na diplomacia é chamado de previsão cruzada, ou reciprocidade. Os promotores alemães pediram que a Justiça brasileira interrogue novamente 22 testemunhas citadas no processo do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT). Elas vão prestar depoimento por meio de cartas rogatórias, em que constarão as perguntas elaboradas pelos promotores germânicos. Além dos depoimentos, os promotores também requisitaram cópias de reportagens do Correio Braziliense sobre o caso Marcelo Bauer, tudo o que a polícia brasiliense apreendeu durante a investigação, uma cópia do processo instaurado no TJDFT e material genéticos dos pais da vítima para realização de exames de DNA.
Ajuda do pai
Na época do sequestro e da morte de Thaís Mendonça, Bauer estudava na UnB e morava com a família, na Asa Sul. Encontrar o acusado de sequestrar e matar a jovem se tornou tarefa complicada, segundo investigadores da Polícia Civil, por causa do pai dele. O coronel Rudi Ernesto Bauer trabalhava no Serviço de Inteligência da Polícia Militar do DF. Segundo os investigadores, ele planejou a fuga do filho com a ajuda de colegas de corporação e do Exército.
Com Marcelo Bauer foragido, promotores de Justiça do DF concluíram que ele sequestrou Thaís no câmpus da UnB “e, após asfixiá-la com substância tóxica e deixá-la desmaiada, puxou-a para o seu carro, um Passat amarelo, ano 1978, e de maneira cruel desferiu contra ela 19 facadas na região mamária e carotidianas. Não contente, conduziu-a a local ermo, nas proximidades da 415 Norte, em direção ao Lago Norte, para ocultar o cadáver, arrastando-a para o mato, onde, à queima-roupa, a matou”. O corpo foi encontrado pelo Corpo de Bombeiros, quando uma equipe apagava um incêndio em meio ao cerrado. Assim como o acusado, o carro no qual teria sido praticado o crime desapareceu.
Nomes trocados
A Polícia Civil do DF só encontrou Marcelo Bauer 13 anos após a fuga. Ele estava em Aarhus, na Dinamarca, onde morava havia oito anos. A polícia brasiliense recorreu à Interpol, que prendeu Bauer. Enquanto o governo brasileiro esperava a análise do pedido de extradição do acusado, a Corte de Justiça de Aarhus o soltou, oito meses após sua prisão. O governo brasileiro apelou à Suprema Corte da Dinamarca, que autorizou a extradição. Nesse meio tempo, Marcelo Bauer deu entrada no pedido de cidadania alemã. Quando a Justiça dinamarquesa acatou a extradição do brasileiro, a Interpol descobriu que o acusado não estava mais na Dinamarca.
A Interpol localizou Bauer na Alemanha. Em 2002, o governo alemão negou a extradição pedida pelo Brasil. Em seguida, o acusado conseguiu a cidadania e mudou o sobrenome. Passou a se chamar Marcelo Nielsen, o mesmo de uma das suas mulheres — ele se casou duas vezes na Europa. Agora, segundo os documentos enviados pelo MP alemão, ele usa também o sobrenome Funke.
Apesar de tanto tempo, o crime atribuído a Marcelo Bauer não prescreveu após os 20 anos previstos em lei. Graças à atuação do MP do DF e de uma decisão do TJDFT. Em maio de 2009, dois meses antes do prazo para o acusado ser julgado, desembargadores decidiram que ele deveria ir a júri popular, mesmo se não fosse notificado pessoalmente nem aparecesse na audiência. Com essa decisão, foi interrompida a prescrição. Agora, o crime prescreve somente em 2029, 20 anos após a decisão do TJDFT. O advogado de Bauer não quis dar entrevista, alegando nunca falar à imprensa sobre os casos em que atua. Nenhum parente da vítima e do acusado foi encontrado pela reportagem.
Liminar negada
Em nome de Marcelo Bauer, advogados entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de suspensão do julgamento do cliente pelo Tribunal do Júri de Brasília. No habeas corpus, encaminhado em 4 de novembro, os defensores alegaram que ele não foi intimado pessoalmente, o que deveria ocorrer no caso de a Justiça brasileira conhecer o endereço do acusado. O STF negou a liminar.
Fraudes
O processo que trata da morte de Thaís Mendonça tem 1.796 páginas, divididas em nove volumes. Eles reúnem, entre outras coisas, os depoimentos de mais de 40 testemunhas, 10 cartas escritas pela vítima que mostram o histórico agressivo de Marcelo Bauer e relatórios da polícia dinamarquesa revelando os crimes cometidos pelo acusado para deixar o Brasil e se esconder em terras estrangeiras, como falsificação de documentos.
Constituição
Instrumento jurídico similar à carta precatória, a carta rogatória se diferencia apenas por ter caráter internacional. Ela tem por objetivo a realização de atos e diligências processuais no exterior, como audição de testemunhas, e não possui fins executórios. No Brasil, a competência para se conceder o cumpra-se é do STJ, de acordo com o artigo 105 da Constituição Federal.
Entenda o caso
O crime
Thaís Muniz Mendonça, 19 anos, foi vista com vida pela última vez por volta do meio-dia de 10 de julho de 1987, quando deixava a UnB, onde cursava letras. Bombeiros encontraram o corpo dela dois dias depois, em um matagal próximo à 415 Norte, com marcas de 19 facadas e um tiro na cabeça.
A fuga
A polícia apontou Marcelo Bauer, ex-namorado de Thaís, como o autor do crime. Segundo o inquérito, o crime ocorreu no carro dele. O Tribunal do Júri de Brasília acatou a denúncia do MPDFT e o pronunciou como réu em 11 de outubro de 1989. Mas Bauer fugiu antes de o julgamento ser marcado.
A prisão
A Polícia Civil do Distrito Federal encontrou Bauer 13 anos após a fuga. O acusado estava em Aarhus, na Dinamarca, onde morava havia oito anos. Como o foragido estava fora de jurisdição, a polícia recorreu à Interpol, que prendeu Bauer.
A liberdade
Dias depois, o Ministério da Justiça pediu a extradição do acusado. O governo dinamarquês aceitou. Em março de 2001, a defesa de Bauer recorreu à Corte de Justiça de Aarhus. Três juízes federais da Dinamarca suspenderam a extradição e libertaram o brasileiro, após oito meses de prisão.
Nova fuga
O governo brasileiro apelou à Suprema Corte da Dinamarca, que autorizou a extradição. Nesse meio tempo, Marcelo Bauer deu entrada no pedido de cidadania alemã. Quando a Justiça dinamarquesa acatou a extradição do brasileiro, a Interpol descobriu que o acusado não estava mais na Dinamarca.
Troca de nome
A Interpol localizou Bauer na Alemanha. Em 2002, o governo alemão negou a extradição pedida pelo Brasil. Em seguida, o acusado conseguiu a cidadania e mudou o sobrenome. Passou a se chamar Marcelo Nielsen. O avô paterno dele é alemão.
Risco de prescrição
Em 4 de dezembro de 2007, o MPDFT entrou com pedido de julgamento à revelia do acusado. O promotor Andrelino Santos Filho temia a prescrição do crime, em 11 de outubro de 2009. Mas, na época, a legislação não permitia julgamentos com o réu ausente.
Júri popular
Em 28 de maio de 2009, decisão unânime da 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) confirmou o julgamento de Marcelo Bauer pelo júri popular, com base na Lei Federal nº 11.689/08. Foragido no exterior, o acusado seria julgado à revelia em data ainda não definida.
Julgamento marcado
O Tribunal do Júri de Brasília marcou para 9 de novembro o julgamento de Marcelo Bauer. A intimação dele foi feita por meio de edital, pois é considerado um foragido da Justiça brasileira. Com isso, será julgado à revelia, com defesa feita por integrante do Núcleo de Práticas Jurídicas do UniCeub.
Julgamento adiado
Minutos antes do julgamento, por meio de um assistente, um advogado contratado pela família de Bauer 15 dias antes mandou comunicado ao Tribunal do Júri de Brasília pedindo o adiamento da sessão, alegando estar doente. O juiz aceitou e remarcou o julgamento para 7 de fevereiro.