Afinal, R$ 500 milhões _ meio bilhão de reais! _ não caem do bolso sem ninguém perceber, não é dinheiro de pinga. E, além de tudo, o dinheiro é nosso!
Por Ricardo Kotscho/Blog Balaio do KotschoO que mais me intriga nesta história do rombo de R$ 500 milhões provocado pela Máfia do ISS na Prefeitura de São Paulo é que ninguém tenha notado durante tanto tempo o sumiço desta dinheirama, que não é pouca coisa.
Nem o ex-prefeito
Gilberto Kassab, nem o atual,
Fernando Haddad, viram até outro dia nada de estranho acontecendo nos cofres municipais, e agora se acusam mutuamente pela "situação de descalabro" na cidade. O chamado jornalismo investigativo também comeu mosca.
Só para se ter uma ideia do valor em jogo e do tamanho do prejuízo, este valor supera o dobro do subsídio que a Prefeitura pagará a mais este ano para as empresas de ônibus, depois do cancelamento do aumento das tarifas de R$ 3,00 para R$ 3,20 _ o episódio que levou milhões às ruas e virou o país de cabeça para baixo em junho.
No dia 19 daquele mês, no auge dos protestos, enquanto ainda fazia contas e discutia o reajuste, Fernando Haddad citou, entre outros motivos para o aumento, o fato de que, sem ele, a diferença dos 20 centavos "representa um acréscimo de cerca de R$ 200 milhões nos gastos da Prefeitura, isto apenas no orçamento deste ano" (revista Exame). Em São Paulo, o custo do transporte público é bancado em três partes iguais pela Prefeitura, pelas empresas e pelos usuários.
Ou seja, se a Máfia do ISS tivesse sido desbaratada antes _ a primeira denúncia de construtoras não envolvidas no esquema foi feita em meados do ano passado _ a passagem de ônibus em São Paulo poderia ter sido reajustada para baixo e não para cima. Em vez dos protestos, que abalaram a popularidade da presidente Dilma Rousseff (até hoje não totalmente recuperada), do prefeito Fernando Haddad e de governantes em geral, no país todo, o povo de São Paulo teria saído às ruas para comemorar o barateamento das tarifas do transporte público.
Costuma-se dizer que, em casa onde falta pão, todo mundo reclama e ninguém tem razão. Não se trata do caso de São Paulo. Aqui tem dinheiro sobrando para o pão. O problema é que nossos impostos são roubados na mão grande no meio do caminho da padaria.
Kassab alega que foi ele quem abriu as investigações no ano passado, só que não tomou providência nenhuma. Seus investigadores não acharam nada de estranho entre a vida de marajás que os fiscais levavam e o salário deles na Prefeitura. E não se deram conta de que estava entrando nos cofres municipais muito pouco dinheiro do ISS devido pelas construtoras.
Haddad, por sua vez, já está no comando da cidade há 10 meses, e seus assessores receberam informações sobre as denúncias de desvio do ISS na Prefeitura - ainda durante o governo de transição, no final do ano passado. Ainda assim, dois dos envolvidos no esquema foram mantidos na atual administração em cargos de confiança.
Agora, para a população, pouco importa saber de quem é a culpa pelo rombo, mas tratar de recuperar o dinheiro desviado para que a Prefeitura tenha recursos para cuidar da cidade sem ter que aumentar tanto o IPTU nem pensar novamente em aumentar as tarifas de ônibus. O que menos nos interessa no momento é saber quais as consequências políticas da guerra entre Kassab e Haddad nas eleições do próximo ano. A vida não é feita só de votos e, como vemos agora, às vezes eles custam muito caro.
Na semana passada, o próprio prefeito Haddad já insinuou que também o IPTU pode ter sido vítima da máfia _ da mesma do ISS ou de qualquer outra das muitas que ainda agem na cidade. Se isto for confirmado, parte deste dinheiro poderia ser usado, por exemplo, para isentar mais residências de IPTU e desonerar a indústria e o comércio, que foram os mais atingidos com o último aumento.
Seja como for, nossas autoridades precisam ficar mais atentas sobre o que se passa nos cofres públicos. Afinal, R$ 500 milhões _ meio bilhão de reais! _ não caem do bolso sem ninguém perceber, não é dinheiro de pinga. E, além de tudo, o dinheiro é nosso.
PERFILNo blog Balaio do Kotscho, cabe qualquer assunto. Quem manda é o freguês. Paulista, paulistano e são-paulino, Ricardo Kotscho, 65, é repórter desde 1964. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos da imprensa brasileira, nas funções de repórter, repórter especial, editor, chefe de reportagem, colunista, blogueiro e diretor de jornalismo. É atualmente comentarista do Jornal da Record News e repórter especial da revista Brasileiros.