A chefia de polícia do Rio Grande do Sul deve se manifestar até o final desta semana sobre o pedido de afastamento do delegado Marcelo Arigony das investigações sobre o incêndio na boate Kiss, que causou a morte de 240 pessoas na madrugada de 27 de janeiro.
- Por Flávio Ilha, do UOL em Porto Alegre - O pedido foi encaminhado à polícia na segunda-feira (4) pelo advogado do vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos.
Coleta de provas A polícia fez a maior parte da coleta no próprio dia do incêndio, mas não descarta voltar ao local em busca de outras evidências se necessário para dirimir dúvidas
DepoimentosAlém dos músicos da banda Gurizada Fandangueira, clientes, funcionários e os donos da casa noturna seguem sendo ouvidos na delegacia
Prisões Quatro pessoas estão presas: dois músicos da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava na boate, e os sócios do estabelecimento, Elissandro Callegari Spohr e Mauro Hoffmann
Os sócios da Boate Kiss, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann.
Exame de documentação Polícia vai revisar alvará de funcionamento e o plano de prevenção de incêndio da boate Kiss Perícia O trabalho dos peritos foi iniciado no dia do acidente e só será concluído com a divulgação dos laudos técnicos. Pode ser concluída em 30, 60 ou 90 dias, segundo a polícia “Tive uma reunião rápida com o representante do chefe de polícia e encaminhei o pedido”, declarou o advogado Omar Obregon, que não revelou o conteúdo da petição. Segundo ele, Arigony estaria impedido de comandar as investigações pelo fato de não ser isento --o delegado perdeu uma prima na tragédia.
A solicitação vinha sendo articulada desde a semana passada com os outros advogados de defesa dos quatro suspeitos presos, que preferiram não endossar a ação.
Tecnicamente, o documento pede a suspeição do delegado por ele ter envolvimento pessoal direto com a tragédia --o que, em tese, poderia influenciar o resultado das investigações.
O pedido foi encaminhado à assessoria jurídica da polícia, que dará um parecer sobre o conteúdo.
O advogado anunciou que fará uma manifestação pública a partir das 14h desta terça-feira, em Santa Maria. Uma fonte da polícia informou ao UOL que o pedido não tem embasamento jurídico porque não há previsão legal de nulidade para inquéritos policiais, assim como ocorre com julgamentos. “Por isso esse tipo de ação é muito rara. Quando há suspeição por algum tipo de parentesco com juiz ou advogado, o próprio delegado pede afastamento automaticamente”, avaliou.
Imagem de 12 de janeiro com cinco jovens mortas do incêndio da boate Kiss. Da esquerda para a direita, Fernanda Malheiros, Andrise Nicoletti, Paula Gatto, Júlia Saul e Melissa Correa. A imagem foi feita na mesma casa noturna duas semanas antes da tragédia, e o autor da foto, João Barcellos, também está entre as vítimas. Melissa, Paula e Andrise eram alunas do terceiro semestre de Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria, curso que perdeu oito alunos. O total de alunos da UFSM mortos na Kiss até agora é de 102. Foto: João Barcellos/SiteZoom.
Além disso, segundo avaliação preliminar da polícia, Arigony sequer participa diretamente das investigações. “Por se delegado regional de Santa Maria, ele atua como uma espécie de porta-voz. Nada mais. Mesmo assim o pedido será analisado”, revelou a fonte policial.
O delegado Marcelo Arigony também se disse “tranquilo” em relação ao pedido “Há cinco delegados e muitos outros inspetores cuidando das investigações. Fazemos um trabalho com muita serenidade e tranquilidade, sem hipótese de distorções”, disse. “Estamos sendo totalmente transparentes", completou.
Logo depois da tragédia, o delegado postou fotos em seu perfil numa rede social mostrando fotos da banda usando fogos de artifício em shows e apontando a prática como causa do incêndio na boate Kiss.
Arigony também interrompeu uma entrevista coletiva, logo após a tragédia, para se juntar a um grupo de manifestantes que pedia justiça em frente à delegacia regional de Santa Maria. O delegado foi fotografado discursando com um megafone.
O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, juntamente com o produtor do grupo, Luciano Bonilha Leão, e os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, está preso na Penitenciária Estadual de Santa Maria desde o dia 28 de janeiro.
Os quatro, suspeitos de serem os responsáveis pelo incêndio na danceteria, tiveram a prisão preventiva decretada pela Justiça na última sexta-feira (1º). Na segunda-feira, o coordenador das investigações esteve novamente no IGP (Instituto Geral de Perícias) para apressar a conclusão dos laudos toxicológicos sobre as vítimas, que servirão para embasar o indiciamento dos suspeitos por homicídio qualificado doloso – quando se assume o risco de matar.
Arigony disse que pretende remeter o inquérito à polícia na próxima segunda-feira (11).