- Do Correio Braziliense - Um novo software, desenvolvido na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, escaneia imagens de tecido mamário para procurar mais de 6 mil características que indiquem se uma pessoa tem um tumor e qual a severidade da doença
Cada vez mais as revoluções tecnológicas invadem o mundo da medicina. Entre aparelhos de ressonância magnética, robôs que ajudam em cirurgias e dispositivos como marca-passos constantemente em evolução, não há como fugir da tecnologia em um hospital. Essas inovações chegaram inclusive à patologia — estudo das alterações em estruturas de células, tecidos e órgãos — e, consequentemente, à oncologia, especialidade médica que analisa cânceres.
A pesquisa que resultou na criação do
programa de computador C-Path foi publicada ontem na revista especializada Science Translational Medicine. O sistema é considerado por seus criadores como o primeiro modelo computadorizado de patologia com potencial para ser usado clinicamente.
O especialista em anatomia patológica
Andrew Beck, desenvolvedor do C-Path, explica que
o software funciona executando uma série de etapas de processamento de imagens microscópicas para identificar células de câncer e de tecido conjuntivo no tecido das mamas. “Ao identificar essas estruturas, o programa mede milhares de características de células de câncer e de estroma (ver infografia) e a relação que elas mantêm entre si. Então, ele aplica métodos estatísticos para essas medições, a fim de saber a melhor combinação de dados e predizer as chances de sobrevivência do paciente”, descreve.
Segundo Beck, ele e seus colegas de pesquisa desenvolveram o programa porque acreditavam que uma análise computacional do câncer de mama poderia levar à detecção de novas características da doença, que não são analisadas por patologistas, mas poderiam ser importantes. “Desse modo, teríamos como usar essa análise para auxiliar os médicos no diagnóstico do problema de saúde e avaliar o grau de gravidade do tumor”, explica o norte-americano.
Ele ressalta que, quando utilizou o programa de computador, se surpreendeu ao notar que as características do formato (morfologia) das células estromais estavam diretamente ligadas às chances de o paciente voltar a ter câncer ou ao tempo de vida estimado que ele ainda tinha. Hoje, afirma o pesquisador, apenas as características das células de câncer são usadas na hora de detectar a doença.Clique na imagem para ampliar.
Inteligência artificial
A especialista em bioinformática da
Universidade de Brasília (UnB) Tainá Raiol conta que o uso da tecnologia na área de saúde muitas vezes fica limitado a programas de computador voltados para processos administrativos e a softwares de equipamentos hospitalares. “Associar procedimentos classicamente utilizados em diagnósticos clínicos, como a visualização de lâminas histológicas — lâminas de vidro que contêm tecido humano e são observadas em microscópio —, ao processamento computadorizado de imagens vai acelerar e melhorar a precisão dos diagnósticos médicos”, estima a pesquisadora, que trabalha com projetos ligados ao uso de softwares que permitem a análise de material genético no intuito de conhecer novos genomas.
Para ela, o C-Path e programas do tipo ajudariam os patologistas a fazer o diagnóstico de câncer. Tainá descreve que, nesse programa,
“a análise é feita a partir da técnica de Machine Learning, baseada em inteligência artificial, de forma que o computador aprende a retirar parâmetros da imagem da lâmina, classifica o grau do tumor e relata um prognóstico associado ao nível de agressividade do câncer”. Ela lamenta que o uso de softwares do tipo seja tão recente, especialmente no Brasil.
O oncologista
João Nunes, do Centro de Câncer de Brasília (Cettro), contudo, pondera que softwares como o C-Path, que usam modelos matemáticos para calcular potenciais riscos de tumores, apresentam taxa de erro considerável, “porque não há exatidão na área de saúde, ciência que abrange exatas e humanas”. Para ele, um médico precisa tomar decisões sobre a saúde do paciente de forma global. “Você precisa interpretar as informações, não apenas coletar dados”, relata.
Nunes explica que fazer avaliação de risco e diagnóstico de câncer é um processo investigativo. “São necessárias várias informações, de várias fontes, para fazer um laudo conclusivo”, destaca. Embora acredite que ferramentas como o software podem ajudar os médicos, ele alerta que são necessários mais testes que o tornem válido para ser usado no dia a dia dos laboratórios e consultórios.
Mais abrangente
Um dos próximos passos do grupo de pesquisadores de Stanford, conta Beck, é aplicar o método de análise feito pelo sistema em dados de moléculas do organismo, em vez de focar apenas na morfologia das estruturas celulares. “Ao integrar esses dois dados, esperamos identificar a base molecular para as características importantes que encontramos nas estruturas que observamos”, detalha. “Também planejamos estender o sistema para a análise de imagens microscópicas de mulheres com lesões mamárias pré-cancerosas”, acrescenta Beck. Ele diz, ainda, que espera utilizar o software para prever as respostas dos pacientes a tratamentos quimioterápicos.
Ameaça constante
Entre os diversos tipos de câncer existentes, o de mama é o segundo mais frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres. Anualmente, o câncer de mama é responsável por 22% dos casos da doença entre mulheres, mas, se detectado precocemente, a taxa de sobrevida — sobrevivência da pessoa após detectado o tumor — depois de cinco anos é de 61% entre a população mundial.
No Brasil, estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca) mostram que, em 2010, cerca de 49,2 mil pessoas foram diagnosticadas com esse problema de saúde.